sexta-feira, 16 de agosto de 2013

EVANGELHO DE MT 19, 3-12

            Para que se entenda a mensagem do Evangelho de hoje é importante fazermos uma recapitulação da dinâmica catequética do evangelista. Todo o evangelho de Mateus é como se fosse uma catequese que ele dá para a sua comunidade, que é composta por judeus convertidos ao cristianismo. Essa catequese pode ser dividida em cinco encontros, que no Evangelho são chamados de “livrinhos”. O episódio de hoje está no capítulo 19 que é o início do “Quinto Livrinho”, que traz como tema “A Vinda Definitiva Do Reino”, que vai até o final do Evangelho.
            Dentro do quinto livrinho o evangelista quer mostrar para esses judeus convertidos como esse Reino de Deus acontece inserido e contextualizado na história. Mostra-nos, também, que é a partir da ação messiânica de Jesus que este Reino se faz presente, e que, quando repetimos em nós e por de nós, as ações de Jesus contribuímos para que o Reino de Deus aconteça no hoje da nossa história. Diante do matrimônio indissolúvel, os discípulos observam que o celibato é melhor. Jesus mostra que a escolha do celibato é dom de Deus, e que este só adquire todo o seu valor quando é assumido com plena liberdade em vista do serviço ao Reino.
            Jesus recusa a ver o matrimônio a partir de permissões ou restrições legalistas. Ele reconduz o matrimônio ao seu sentido fundamental: aliança de amor e, como tal, abençoada por Deus e com vocação de eternidade. Diante desse princípio fundamental, marido e mulher são igualmente responsáveis por uma união que deve crescer sempre, e os dois se equiparam quanto aos direitos e deveres. Com isto o evangelista procura mostrar a dimensão profunda do matrimônio como sendo uma aliança eterna de amor. Isto para lembrar da aliança eterna de amor entre Deus e a humanidade que foi selada com o sangue de Jesus derramado na cruz.
            Que nós saibamos trabalhar a dimensão da acolhida para com o outro. Que tenhamos gestes de ternura para com nossos irmãos. Que saibamos resgatar sempre nossas alianças e que sejam elas marcadas pelo amor, não somente o matrimônio, mas toda e qualquer união. Que Deus abençoe as nossas famílias, dê vida e força para os casais superarem as dificuldades e os conflitos do dia. Que nossas uniões sejam abençoadas por Deus. Amém! 

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

CRISTO RECRIADOR DO HOMEM E DOS SEUS DIREITOS (POR JOSÉ BAKIR)

1.  Introdução
            Um dos direitos primordiais, e talvez o principal, é o direito a vida. Desenvolver a temática de uma moral social relacionada aos Direitos Humanos é ter como pano de fundo o direito de cada ser humano a viver a sua liberdade sem infligir, ou burlar, a liberdade do outro. É preciso ter sempre em mente que a vida é marcada pela presença, e ao mesmo tempo, pela ausência do outro que me interpela.
            Neste sentido a ética social “é configurada como um saber crítico e específico sobre o compromisso moral dos crentes”[1]. A partir desta afirmação de Vidal cabe a cada um se perguntar sobre o seu compromisso moral, ou melhor, sobre seu compromisso moral social. Esta reflexão deve ser marcada pela temática que perpassa a prática messiânica de Jesus segundo o evangelista João que é a vida (cf. Jo 10, 10).
            Neste trabalho será abordada a questão do direito a vida como direito primordial do ser humano, levando em consideração tudo o que foi estudado em sala de aula e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.  O primeiro ponto aborda o direito que Cristo confere ao homem, o segundo ponto aborda – diretamente – a vida como um direito a ser respeitado.

2.  Direito que Cristo confere ao homem
Dentro do que se pode dizer de “direito que Cristo confere ao homem”, ou melhor, ao ser humano se faz presente, e de forma latente, o direito a vida. O que se percebe na pessoa de Cristo é que tudo o que ele falou e fez não transmite outra mensagem a não ser o direito a vida que o ser humano tem.
            É interessante perceber que a questão da vida é tratada, em Jesus, como um dom supremo que Deus confere aos filhos teus, aos seus queridos. É claro que esta vida deve ser vivida como uma resposta gratuita a este amor que Deus tem pela humanidade. Neste sentido, alguns questionamentos podem ser feitos a partir desta reflexão: qual é a situação do homem no mundo? Quais são os seus direitos? A tais questões a revelação bíblica oferece uma resposta, não teórica e abstrata, mas, vivente e edificante, uma resposta que consiste em intervir na situação do homem e em dar ao homem novos direitos.
            Aqui há a percepção de que já no A.T. se vive e se anuncia esta resposta. É uma resposta que encontra na pessoa de Jesus seu sentido pleno e vivificante, pois, o próprio Cristo, com o dinamismo de sua existência, revela a vocação do homem e lhe dá a plenitude do seu cumprimento.
            O texto joanino trata do direito que Cristo confere ao homem por meio do Espírito Santo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundancia”[2]. Neste texto joanino está presente o direito que Cristo confere ao homem por meio de seu Espírito, que é o direito a vida. A vida que Jesus traz é vida plena e perpétua, uma participação, por meio dele, na vida divina. Para isso veio, pois, o homem somente com suas forças não pode alcançá-la. Direito este que Cristo desejou que o ser humano vivesse em sua plenitude. Todos os seus atos e tudo o que ele falou girou em torno deste direito, entendido aqui como o dom supremo.
            Este direito Cristo o compreende em uma perspectiva mais ampla e mais profunda do que a que se encontra na problemática da perspectiva moderna. E uma perspectiva que não se limita exclusivamente a considerar os problemas atuais existentes na pessoa humana. Mas, é uma perspectiva que se eleva aos projetos e se interessa em se aproximar de todos os seres.
            Como já havíamos dito anteriormente o direito que Cristo traz de volta ao homem é o direito a vida, mas, vida entendida aqui como fruto de uma prática cristã. Desta forma, Jesus é o ponto de referência para esta reflexão e o outro ponto é o rosto do outro que me interpela.   Com isto, Cristo confere ao ser humano, por meio do Espírito Santo, uma vida plena.
            A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz uma seqüência de 30 artigos que procuram explicitar os direitos do homem e da mulher. A temática que perpassa toda a declaração visa assegurar aos homens e às mulheres direitos básicos fundamentais que lhe garantam o bem maior que eles possuem: a vida[3].
            É inquestionável a valorização do discurso dos direitos humanos, tanto no âmbito político, quanto no econômico e no religioso. O negativo desta afirmação é que, na prática, não há esta valorização. Esta  inquestionável valorização não vai de par com a prática. Os direitos humanos, com todos os limites, seriam uma das únicas veias que se tem para tentar resolver os problemas de caráter global. As culturas sempre estiveram em contato, mas, nunca se enriqueceram.
           
3.      Vida: direito do ser humano
            A discursão da moral social auxilia na compreensão de uma ética que esteja em defesa da vida. Não se trata de fazer uma defesa de maneira desorganizada, impensada, mas, de fornecer subsídios ou meios que de fato sirvam para elaborar uma defesa de modo convincente. 
            Ao instituir a Nova Aliança mediante o dom total de si mesmo o Cristo muda radicalmente a situação do ser humano e confere à humanidade novos direitos. De uma situação de opressão e marginalização, fez surgir uma situação de esperança e de liberdade. Quem adere a Cristo não está mais sujeito a uma condição de escravidão e de temor a morte (Hb 2, 15), pois, Cristo os assegura a vitória sobre a morte mediante a morte mesma (Hb 2, 14). Neste sentido uma questão latente a nossa realidade é: será que o direito a vida é respeitado?
            Em um primeiro momento e olhando a nossa realidade a resposta a esta pergunta é de que este direito primordial do ser humano não está sendo respeitado. Isto reflete em uma práxis  que não está condizente com aquilo que o discurso dos Direitos Humanos prega. Desta forma é necessário refletir criticamente sobre o conteúdo moral presente no discurso e sobre a moral presente, ou melhor, ausente na prática dos Direitos Humanos. O que se pode concluir desta afirmação é que a luta pelos Direitos Humanos não é simplesmente uma luta por predicados, mas, é um luta por Direitos Humanos mais dinâmicos.
            Ainda dentro da perspectiva bíblica Marciano Vidal, em seu texto sobre fundamentação da ética teológica, diz o seguinte:
           
         ...ao considerar o homem a partir da perspectiva da criação, é possível pensar em Deus como alguém que dá sentido e fundamenta a autonomia do homem, a ética cristã teônoma é a expressão da relação normativa de Deus com o homem, relação que não contradiz nem suprime a normatividade autônoma do homem e sim que a possibilita e lhe dá uma fundamentação válida [4].

            É difícil pensar que não haja uma relação intrínseca entre Direitos Humanos e ética social. Mas, é preciso que ambos estejam a serviço e promoção da vida humana. Aqui se compreende vida humana vivida na carne, mas, marcada pela atuação do Deus criador. Esta interpretação que vem dos evangelhos não vem como resposta, mas, sim com pergunta: em que Deus ceio? Que homem sou? Que moral temos?
            É impensável não se perguntar em que Deus cremos. Será um Deus moral, um Deus que não se dá valor a si mesmo, um Deus mestre soberano, um Deus que é um coquetel entre o bom e o verdadeiro, um Deus que é útil porque prescreve o que devemos fazer. Que homem? Não se trata de perguntar sobre uma essência ideal de homem, mas, de afirmar um homem feito à imagem e semelhança de Deus, ou seja, criador. Um homem único individual, pessoal, no exercício de sua tarefa físico-cultural temerário. Não um homem genérico, mas, também, não um homem solitário. Trata-se, portanto, de um homem solidário, aceitando a nossa heteronomia com base no passado e no presente. Que moral? A afirmação de a cada um querer ser moral, a afirmação da vontade. Mas, não indica valores aos quais devemos aderir. Desta forma, trata-se de uma moral que venha a derrubar estes imperativos existentes que são imperativos mentirosos. Talvez a moral que se procure seja moral como anti, procurando dar beleza e repugnando o horror.
            No que diz respeito à defesa da vida Dom Cláudio Hummes, em sua homilia feita por ocasião da V Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe, diz o seguinte:

Nós não podemos deixar de trabalhar para vencer a miséria e a fome, a pobreza do nosso povo, o sofrimento do nosso povo. A igreja tem que continuar a se empenhar nisso fortemente, em nome do evangelho de Jesus Cristo. A missão de incluir tudo isso, não separar a evangelização da promoção humana, da defesa da dignidade e dos direitos humanos. E o direito fundamental é o direito a vida, e o direito de viver dignamente como pessoas humanas[5].


            Dom Cláudio Hummes apresenta, de forma resumida, aquilo que a Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu pano de fundo que é a promoção da vida, da dignidade de seres humanos que muitas vezes é tirada de cada cidadão. Este desejo, esta utopia, tem que ser marcada pela prática do amor fraterno. Este amor tem que ser o critério fundamental de todo ser humano, como diz Francisco M. Rejón: “O amor como critério definitivo de moralidade e de pertença ao Reino de Deus. Não há nada mais exigente que o amor, e ao mesmo tempo nada mais eficaz e libertador que o amor que dá a vida”[6]


4. Conclusão
            É preciso haver discernimento, mas, um discernimento lento e laborioso e tem que ser assim. Isto exige compaixão. Os Direitos Humanos são o lugar desta compaixão, é onde saímos do discurso bonito para exigir do campo político. Sendo assim, se entra no campo da intersubjetividade desejada, querida. O evangelho nos chama a estarmos dentro dos limites do ideal e a esgotarmos os limites do real, pois, não existe outro caminho fora dos limites do real.
            A Bíblia nos convoca novamente a afirmar o Senhorio do Deus que criou a Vida, em Jesus Cristo. Defender e promover os Direitos Humanos é, acima de tudo, assumir atitudes cidadãs e lembrar ao mundo que o Direito à Vida Plena é direito de todas as pessoas humanas, não de algumas poucas privilegiadas que podem consumir. A mensagem central da misericórdia de Deus nos leva a vislumbrar um novo mundo em que todas as pessoas terão sua dignidade e seus direitos respeitados e valorizados


5. Bibliografia

GINO, Concetti. I Diritti Umani. Dottrina e prassi. Roma: Ave, 1982 (pp.23-39)

VIDAL, Marciano. Ética teológica: conceitos fundamentais. Fundamentação da ética teológica. Petrópolis: Vozes, 1999 (pp. 211-228)
________________ Moral de atitudes: moral social. Direitos humanos e ética cristã. Aparecida: Santuário, 1980 (pp.153-191)



[1] VIDAL, Marciano. Ética teológica: conceitos fundamentais. Fundamentação da ética teológica. Petrópolis, Vozes: 1999 (p. 219)

[2] Cf. Jo 10, 10b
[3] Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 3º.
[4] Ibid nota 1 (p. 219)
[5] Homilia do Cardeal Cláudio Hummes, ofm – 26 de maio de 2007 http://br.celam.info/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=285
[6] Cf. VIDAL, Marciano. Ética teológica. Conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 1999 (p. 233)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

EVANGELHO DE MT 13, 54-58

           Este evangelho de hoje, dentro da dinâmica catequética de Mateus, marca o início do quarto livrinho, que tem como tema “A Igreja – Semente do Reino”, que vai até o final do capítulo 18. Aqui é fundamental que se entenda que não se trata da igreja templo, pois, a igreja enquanto templo já existia e eram chamados de Sinagoga. Mas, sim, de uma Igreja enquanto reunião de pessoas que tinham, ou buscavam ter, a mesma fé, o mesmo objetivo. É o que chamamos de “Igreja, povo de Deus a caminho.
Para o evangelista esta Igreja tem como marca princípios fundamentais que visam tomar decisões e resolver conflitos: a solicitude pela ovelha perdida e pelos pequenos do Reino, o perdão e a humildade. Neste episódio de hoje, os conterrâneos de Jesus colocam a questão sobre a origem da autoridade dele, admirados de seu ensinamento e poderes milagrosos. É impossível que Jesus, sendo um deles, tenha autoridade de Deus. Por isso, eles o rejeitam. Essa rejeição não é acidental: é apenas uma prova a mais de que Jesus é o enviado de Deus. De fato, todos os profetas do Antigo Testamento também foram rejeitados.
Os conterrâneos de Jesus se escandalizam: não querem admitir que alguém como eles possa ter sabedoria superior à dos profissionais e realize ações que indiquem uma presença de Deus. Para eles, o empecilho para a fé é a encarnação, ou seja, é inadmissível que Deus assuma a condição humana e esteja situado dentro do contexto social, situado na história. Isto nos leva a refletir sobre as nossas ações, as nossas atitudes (ou a nossa falta de atitude), para percebermos se o que fazemos ou falamos são atitudes messiânicas, isto é, se são sinais da presença de Deus no hoje da nossa história.
É necessário que façamos uma opção fundamental pelo Reino e nos coloquemos a caminhar para a realização desse Reino no hoje da nossa história. A realidade está bem a nossa porta e é gritante. Os pequenos do Reino batem constantemente a nossa porta e o que nós estamos fazendo? Que atitudes tomamos? Será que estamos sendo sinais da presença de Deus na vida dessas pessoas? Ou simplesmente viramos as costas e dizemos que não é problema meu. O próprio Jesus nos diz que “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores do Reino, foi a mim que o fizeram” (Mt 25, 40)