terça-feira, 5 de outubro de 2010

O PROCESSO INQUISITORIAL NO SÉC. XVI

Introdução:

Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre o processo inquisitório no séc. XVI e suas conseqüências. A obra escolhida como base para este trabalho foi “O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição”. Como o próprio nome diz esta obra procura relatar cuidadosamente como é a vida e o cotidiano de uma pessoa que está sendo perseguida pela Inquisição. Neste trabalho se procura responder aos seguintes questionamentos: Como se deu o processo inquisitorial neste período? De que forma a questão cultural tornou-se um fator influente no processo inquisitório? É possível falar em circularidade entre a cultura das classes subalternas e a das classes dominantes? É interessante ir percebendo como se dá o processo, como ele vai se desenvolvendo e como vai sendo influenciado pelos acontecimentos históricos. Em alguns casos são estes acontecimentos ou movimentos que surgem na história que vão ditando o ritmo e a direção que o processo vai tomar. No caso de “O queijo e os vermes” os principais acontecimentos que influenciaram o processo inquisitório foram a Reforma Protestante e a invenção da imprensa, o pensamento reformista de Lutero e o movimento dos anabatistas1. Sobre estes falaremos mais adiante. Também se percebe alguns Papas da Igreja Católica que estiveram presentes no período abordado pelo autor Carlo Ginzburg2. Tais como Paulo III (1534-1549), Júlio III (1550-1555), Marcelo II (1555), Paulo IV (1555-1559), Pio IV (1559-1565) fim do Concílio de Trento, Santo Papa Pio V (1566-1572), Gregório XIII (1572-1585) e Sisto V (1585-1590). Destes os mais importantes e que influenciaram o processo inquisitório foram os dois últimos, os quais falaremos mais adiante.

Os Papas influentes da época: Como vimos na introdução foram vários os Papas da Igreja Católica que estiveram no pontificado no período em que Ginzburg trabalha sua obra. Porém, apenas dois tiveram relevância no que diz respeito ao processo inquisitorial, são eles: Gregório XIII e Sisto V.

2.1. Gregório XIII: Nasceu em Bolonha, 7 de Janeiro 1502 - Roma, 10 de Abril 1585, nascido Ugo Buoncampagno, foi Papa de 13 de Maio de 1572 até à data da sua morte. Destaca-se por ter sido o responsável pela introdução do calendário atual (calendário gregoriano) em Outubro de 1582, reformando o antigo calendário juliano. Ugo estudou e lecionou direito e jurisprudência na Universidade de Bolonha. Em 1538 foi chamado a Roma pelo Papa Paulo III e subiu rapidamente na hierarquia. Elevado a Cardeal pelo Papa Pio IV, foi um dos presentes no Concílio de Trento. Em 1572 foi eleito para suceder a Pio V. Como Papa, Gregório XIII conspirou em vão para destronar Isabel I de Inglaterra, uma protestante, e enviou em 1578 o capitão Thomas Stukeley para a Irlanda de forma a minar o poder da rainha. Mas Stukeley desviou-se do plano inicial e juntou-se ao rei português Dom Sebastião na sua cruzada em Marrocos, que haveria de acabar em tragédia. Estes planos só resultaram no afastamento maior entre a Igreja de Inglaterra e Roma. Fortemente anti-protestante, Gregório XIII comemorou o Massacre de São Bartolomeu com uma missa Te Deum e uma medalha comemorativa. Este fervor por levar a cabo a tarefa de conversão da Inglaterra ao catolicismo sem olhar a despesas deixou vazios os cofres do erário do Vaticano, tendo de recolher fundos para a causa através de novas vias de financiamento. O Papa fixa a atenção nos feudos e baronias que a Igreja tinha cedido a nobres de Roma e no escasso proveito que extraía desses territórios. Propôs-se confiscar tais bens cujos concessionários não estavam com contas acertadas e os que se encontravan na posse de herdeiros ilegítimos. A aristocracia reagiu perante o que interpretou como uma declaração de guerra e ocorreram pilhagens, motins e verdadeiras matanças, criando-se um clima de desordem no qual proliferaram todo o tipo de proscritos e foragidos que espalharam atos de banditismo por toda a zona em torno de Roma. Gregório XIII não teve capacidade para atacar tal epidemia nem tempo para o tentar fazer, pois morreu em 10 de Abril de 1585, deixando os Estados Papais em plena turbulência.

2.2. Sisto V: Nascido Felice Peretti OFMConv (Grottammare, 13 de Dezembro de 1521Roma, 27 de Agosto de 1590) foi Papa entre 24 de Abril de 1585 até a data da sua morte. Sisto V foi um homem dos tribunais da Inquisição, onde participou com tal severidade e determinação que, sendo conselheiro inquisitorial em Veneza durante o pontificado de Pio IV, o seu inclemente rigor obrigou a que o governo da Sereníssima República solicitasse ao Papa que o chamasse a Roma para se livrar da sua presença. Foi sem dúvida o indicado para salvar a Itália dos bandidos que lá se tinham instalado no pontificado do seu antecessor Gregório XIII. Servindo-se do Cardeal Colonna, perseguiu implacavelmente as quadrilhas de malfeitores nos campos e cidades, e até a ponte de Sant'Angelo se converteu em macabro expositor de cabeças cortadas, de largo efeito dissuasor. Terminada a época de terror dos malfeitores, aproveitou a estrutura de perseguição para punir com igual brutalidade prostitutas, ladrões menores e demais ralé, criando uma imagem de crueldade e o ódio dos seus súditos. Consciente de que o povo de Roma não lhe haveria de erigir uma estátua depois de falecer, erigiu-a ele próprio no Capitólio, rapidamente demolida pelos romanos. Também virou, como o seu antecessor, a atenção a Inglaterra, procurando derrubar a rainha Isabel I. Havia sido ele quem, em 1569, redigira a bula de excomunhão da rainha, promulgada por Pio V. Procurou unir as nações católcias contra a apóstata mas comprovou que nas cortes europeias o espírito das antigas cruzadas já tinha passado à história, pois eram apenas interesses tangíveis e materiais, e não a defesa da fé, que moviam os governos e as tropas. Convenceu Filipe II da Espanha de que havia razões suficientes para empreender uma guerra contra Inglaterra. O rei da Espanha foi inicialmente contra tal empresa, pois tinha já o seu exército em manobras na Flandres. Mesmo assim, e dada a insistência de Sisto V, deu instruções a Olivares, seu embaixador em Roma, para investigar que tipo de apoio político e econômico lhe garantiria o Papa para tal tarefa. Filipe II acabaria por enviar em 1588 a malograda Armada Invencível, a cujo desastre total sobreviveu Sisto V durante dois anos.

3. O processo inquisitorial: 3.1. O processo de Menocchio: O processo inquisitorial neste período se dava lentamente, ao contrário do que muitos imaginavam. No caso de Menocchio, ele foi denunciado em 28 de setembro de 1583 e seu processo se arrastou por vários anos. Dos aproximadamente dois mil processos de julgamento da Santa Inquisição ocorridos na região do Friuli sob a dominação veneziana, na Itália, um deles se tornou notório para o mundo no Século XX. Trata-se do julgamento de Domenico Scandella, conhecido como Menocchio, reproduzido e interpretado pelo historiador italiano Carlo Ginzburg. Menocchio não era um camponês pobre comum da sua época, a segunda metade do Século XVI. Ele era um moleiro de respeito na comunidade, autodidata e alfabetizado – características raras na época: Mas era principalmente moleiro; usava as vestimentas tradicionais de moleiro – veste, capa e capuz de lã branca. E foi assim, vestido de branco, que se apresentou para o julgamento.3 Dentro de suas leituras, encontramos obras muito difundidas na época, mas também obras proibidas, como o Decameron e o Alcorão. Durante o primeiro julgamento, Menocchio afirmou ser "moleiro, carpinteiro, marceneiro, pedreiro e outras coisas". Já no segundo julgamento, suas atividades foram por ele próprio descritas como de "filósofo, astrólogo e profeta". Durante o julgamento, Menocchio dá fundamentação ao que fala e pensa sempre no que leu, portanto nas suas interpretações destas obras. Para Ginzburg, isto decorria do fato de que a fonte seria menos importante do que a rede interpretativa pensada por Menocchio. As raízes dele eram mais profundas do que os próprios textos. Ele juntou assim correntes cultas e populares em um novo e confuso pensamento teológico: "Dois espíritos, sete almas e um corpo composto pelos quatro elementos: como pudera sair da cabeça de Menocchio uma antropologia tão abstrata e complicada?" (GINZBURG, 1987: 130). Suas idéias, teorias e suposições variaram muito com relação ao tempo, à pressão do inquisidor e às intenções deste. Por isso, a criação de um esquema teórico ficou difícil tanto para o próprio inquisidor quanto para nós. Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos [...] e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses formam os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os outros, anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento...4 Essas poucas frases resumem o núcleo das idéias defendidas por Domenico Scandela, o moleiro conhecido como Menocchio, diante dos inquisidores italianos, em 1584. Nascido em Montereale, pequena aldeia do Friuli, foi denunciado ao Santo Ofício pelo pároco dom Odorico Vorai, antigo desafeto que o acusava de pronunciar palavras “heréticas e totalmente ímpias”. Crítico do clero, da Igreja e da opressão contra os pobres, Menocchio foi descoberto por acaso quase quatro séculos depois. A análise cuidadosa de seu processo deu origem ao clássico O queijo e os vermes, livro publicado em 1976 e editado no Brasil 10 anos depois. A história de Menocchio não é, no entanto, apenas um relato insólito e extraordinário de algum personagem bizarro, embora ele seja também peculiar. Na lente de Ginzburg, e dando curso a reflexões que se iniciaram antes desse trabalho, a análise do estranho caso de um moleiro perdido nos campos de uma Itália em luta contra o avanço protestante deu corpo a uma profunda reflexão sobre a escrita da história, suas dificuldades, desafios e possibilidades. No caso de Menocchio, um moleiro que destoava do seu grupo por saber ler e escrever, Ginzburg descobriu uma teia de imbricações, reapropriações e, mesmo admitindo ser Scandela e sua história “um fragmento perdido, que só nos alcançou por acaso [...], através de um gesto arbitrário”. Nosso autor desbravou os processos de Menocchio procurando desvendar os prováveis, ou improváveis, caminhos assumidos pela interpretação peculiar de textos como os de Boccacio, Mandeville e da própria Bíblia, capazes de ensejar a elaboração da fantástica tese do queijo e dos vermes. O contato com o mundo das letras, e mesmo com textos sofisticados, não retirou Menocchio de sua cultura, mas, ao contrário, realçou a especificidade de suas interpretações, adaptadas a uma realidade ainda refratária a abstrações e fortemente marcada pela vivência concreta e materializada dos fenômenos religiosos e das religiosidades. Para entender a origem do mundo, Menocchio serviu-se de algo que lhe era familiar, cotidiano, conhecido: fez da origem do queijo e dos vermes, por analogia, a Gênese; através da mistura de cultos pagãos e cristãos deu suporte à sua formulação herética. Mas se uma análise tão aprofundada da história de um herege que acabou queimado pela inquisição por não conseguir deixar de propagar suas idéias pode parecer apenas o relato excepcional de uma personagem bizarra, devemos novamente estar atentos às advertências do autor: “dois grandes eventos históricos tornaram possível um caso como o de Menocchio: a invenção da imprensa e a Reforma”. É, portanto, no cruzamento entre a micro-história de nosso moleiro e a macro-história das Reformas e das transformações que marcaram a Época Moderna que podemos entender a “produção” de um personagem como Menocchio. Domenico Scandela encarnou a dinâmica da circularidade cultural, tendo acesso a livros produzidos pela cultura letrada e adaptando suas leituras às vivências cotidianas de uma comunidade camponesa: Mais uma vez Menocchio indicou este ou aquele livro como fonte (não exclusiva, no caso) das suas “opiniões”. Mas, o que é que Menocchio leu?5 Partindo da força da cultura dominante, Ginzburg descobriu com Menocchio a resistência da cultura subalterna e a circularidade cultural entre as classes dominantes e populares, até chegar à decifração do estereótipo do sabá6, construção da cultura letrada, porém eivada de reminiscências pagãs, de longuíssima duração e reveladora de uma dinâmica cultural ainda mais complexa que a apontada no caso de Menocchio. Fruto da obsessão de inquisidores e juízes, o estudo do ritual do sabá feito por Ginzburg desvendou uma história “noturna” e desconhecida, alimentada por mitos e medos ancestrais, conformando o que o autor chamou de “formação híbrida de compromisso”, resultado híbrido de um conflito entre cultura folclórica e cultura erudita. Na história noturna do sabá, Ginzburg retoma a problemática dos benandanti e avança ainda mais teoricamente ao observar perseguidores e perseguidos igualmente atravessados pela dinâmica dos encontros e embates culturais. Abordagem sofisticada e minuciosa, a história cultural tal como concebida por Carlo Ginzburg se interessa pelo detalhe e pelo contexto, pelas micro e pelas macro-questões que, articuladas, podem nos aproximar um pouco mais de nossos antepassados. Decifração de indícios, ciência do particular, a história cultural se move em terreno acidentado e misterioso e, sem prescindir jamais das fontes, autoriza alguns vôos, muitos deles também noturnos, já que “a tentativa de conhecer o passado também é uma viagem ao mundo dos mortos”. Portanto, o pensamento de Menocchio é único, porém, também é o reflexo de uma grande quantidade de pensamentos camponeses e de certo radicalismo que estava dentro das vilas e que achou terreno e interessante chamar a atenção após as críticas de Lutero e Calvino e a criação da Imprensa. Muita coisa, porém, do pensamento de Domenico Scandella pode ter passado em vão dentro de nossa análise e da percepção de Carlo Ginzburg; afinal o que temos é apenas um retrato tendencioso obtido a partir de um julgamento opressor do Tribunal da Santa Inquisição. Ou seja, desde os pensamentos até as crenças dos camponeses investigados pela Inquisição nos chegam através de filtros e intermediários que os moldaram com intenções claras. Apesar disso, tal estudo é extremamente interessante para desvendar o cotidiano e parte dos pensamentos de um mártir da Inquisição que poderia ter passado em branco para a história. Devemos agradecer a Carlo Ginzburg e a sua paciência para ler tais documentos, relatá-los e analisá-los para termos a oportunidade de conhecer essa figura histórica cativante.

3.2. Os anabatistas: São cristãos da chamada "ala radical" da Reforma Protestante. São assim chamados porque os convertidos eram batizados em idade adulta, até mesmo aqueles que já tivessem sido batizados enquanto criança (crendo que o verdadeiro batismo só tem valor quando as pessoas se convertem conscientemente a Cristo). A Reforma Protestante do século XVI reacendeu os princípios bíblicos da justificação pela fé e do sacerdócio universal que foram novamente colocados em foco. Contudo, enquanto Lutero, Calvino e Zwinglio mantiveram o batismo infantil e a vinculação da igreja ao Estado, os anabatistas liderados por Georg Blaurock, Conrad Grebel e Félix Manz ansiavam por uma reforma mais profunda. Os anabatistas fundaram então sua primeira igreja no dia 21 de janeiro de 1525, próxima a Zurique, na Suíça, de acordo com a doutrina e conduta cristãs pregadas no Novo Testamento e testemunharam alegremente sua nova vida em Cristo. É difícil sistematizar as crenças anabatistas daquela época, porque qualquer grupo que não era católico ou protestante e que batizava adultos, como os unitários socinianos ou semi-gnósticos como Thomas Muentzer eram rotulados como anabatistas. Esses grupos, junto com os anabatistas constituem a Reforma Radical: A insistência na simplicidade da palavra de Deus, a negação das imagens sacras, das cerimônias e dos sacramentos, a negação da divindade de Cristo, a adesão a uma religião prática baseada nas obras, a polêmica pregando a pobreza contra as “pompas” da Igreja, a exaltação da tolerância, são todos elementos que nos conduzem ao radicalismo religioso dos anabatistas.7 Este trecho retirado da obra de Ginzburgo retrata bem a dificuldade de sistematizar as crenças deste movimento que surgiu no século XVI, mas, que não durou muito tempo.

3.3. Reforma protestante: Foi um movimento que começou no século XVI com uma série de tentativas de reformar a Igreja Católica Romana, mas que terminou na divisão e no estabelecimento de várias igrejas cristãs, das quais se destacam o Luteranismo (de Martinho Lutero), as igrejas reformadas e os Anabatistas. A Reforma Protestante tem um intuito moralizador, colocando em plano de destaque a moral do indivíduo (conhecedor agora dos textos religiosos, após séculos em que estes eram o domínio privilegiado dos membros da hierarquia eclesiástica). O biógrafo de João Calvino, o francês Bernard Cottret, escreve: "Com o Concílio de Trento (1545-1563)... trata-se da racionalização e reforma da vida do clero. A Reforma Protestante é para ser entendida num sentido mais extenso: ela denomina a exortação ao regresso aos valores cristãos de cada indivíduo. Uma reforma da vida monástica ou certamente da Igreja, é estendida pelo protestantismo a uma reforma que abrange também os leigos". Um elemento comum às igrejas que surgem da Reforma Protestante é esta centralização no indivíduo. "A reforma cristã, em toda a sua diversidade, aparece centrada na teologia da salvação. A salvação, no cristianismo, é forçosamente algo de individual, diz mais respeito ao indivíduo do que à comunidade. Pense-se em Lutero: como melhor descrever os receios do irmão Martinho, o monge que se preocupa com a sua salvação, do que no "modus personalis"? "Apenas a experiência e ela só faz o teólogo". Este aforismo de Lutero do ano 1531 caracteriza bem a importância da história pessoal de cada um para a causa reformadora. Lutero não é nenhum fundador de um império, ele é um monge em busca da sua salvação. A sua história "declina-se na primeira pessoa do singular". Como Pierre Chaunu mostrou de forma extraordinária, na quebra da tradição protestante não se trata de uma questão da Igreja mas de uma questão da salvação". Este movimento teve grande influencia na formulação do pensamento de Menocchio, o que levou os inquisidores a crer que ele estaria envolvido com o mesmo: ... em verificar o fundamento das expectativas de Menocchio, o termo “luterano” é colocado num contexto que confirma o uso generalizado que dele se fazia na época.8 O resultado deste movimento religioso é uma mais ferverosa observação dos princípios morais cristãos tais como eles estão expressos na Bíblia. Os movimentos de zelo religioso que têm lugar na Europa do século XVI são para ser entendidos no contexto do efeito multiplicador iniciado pela invenção da imprensa por Gutenberg. Se a bíblia não estivesse agora acessível a cada um, traduzida nas línguas e dialetos locais, compreensível aos europeus, tal como ela começou a surgir no século XVI, tal zelo religioso não teria sido possível. Anteriormente ao século XVI, a bíblia era um manuscrito em Latim, (uma língua dominada por uma minoria) do qual havia poucas cópias, que se encontravam fechadas nos conventos e nas igrejas, lida por uma elite eclesiástica. A grande maioria da população nunca a tinha lido. No século XVI, ela está disponível em grandes números e nas línguas e dialetos locais. Não é de admirar pois que a religião se torne um tema polêmico.

4. Conclusão: Obesrvando todo este caminho feito, todas as pesquisas feitas para este trabalho, a pergunta que se pode fazer é: a inquisição foi relamente eficaz? Para que se possa fazer uma análise desta pergunta e tentar respondê-la, primeiramente é necessário olhar a inquisição com o olhar do século – ou dos séculos – em que ela se efetivou. Talvez para o nosso tempo atual a inquisição não seja a melhor saída, mas, para o período que vai do século XIII até o início do século XIX ela possa ter sido um forte instrumento, no qual a Igreja Católica procurou se apoiar para manter suas idéias. O processo inquisitorial é algo que nos chama a atençao porque é durante o processo que vai se revelando as personagens. As consultas feitas a parentes e pessoas próximas ao acusado, o interrogatório, as averiguações por parte do tribunal inquisitor, tudo isto são características que nos revelam um cristianismo vivido em uma época diferente da nossa. Também é perceptível a maneira como o pensamento é influenciado pelos acontecimentos históricos: a reforma protestante, o surgimento da imprensa que trouxe junto a possibilidade da leitura, o movimento dos anabatistas e outros acontecimentos e movimentos que não foram mencionados aqui. São elementos que, direta ou indiretamente, vão influenciando o pensamento de sua época. O estudo e o desenvolvimento deste trabalho nos ajuda a perceber como se deu o processo inquisitorial ao longo destes seis séculos e de que forma a inquisição pode contribuir ou não para o cristianismo. Em se tratando de questões dogmáticas e ideológicas o Tribunal do Santo Ofício contribuiu para a defesa e propagação da fé católica na luta contra as chamadas heresias9 da época, ou pensamentos considerados heréticos. Mas, no que diz respeito à conduta ética e moral da Igreja acredita-se que a forma como era conduzido um processo inquisitorial e até mesmo o uso abusivo do poder por parte dos inquidores não tinha muito a contribuir. Muitos acusados aceitavam fazer a confissão, na maioria dos casos, por medo dos métodos de tortura utilizado e da punição que poderia receber. Em se tratando da questão da tortura, Renato Janine Ribeiro diz no posfácio do livro de Guinzburg que “Nem toda confissão é uma vitória da tortura; porque às vezes a pior tortura é ter a voz silenciada”.

Bibliografia: GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987 DANIEL-ROPS. A história da Igreja de Cristo. A Igreja das cátedras e das cruzadas, v III. Porto: Livraria Tavares Martins, 1961 (pp. 728-738) http://www.ifcs.ufrj.br/~humanas/0013.htm 1 Protestantes de uma seita que rejeita o batismo de criança e rebatiza os seus adeptos adultos. 2 Historiador italiano, especialista em análise dos processos da Inquisição dos séc. XVI e XVII. Leciona na Universidade de Bolonha e na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Autor de Andarilhos do Bem, O queijo e os vermes e outros livros. 3 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987 (p. 37) 4 Idem nota 3 (pp. 103 e 105) 5 Idem nota 3 (p. 74) 6 O Reino de Sabá (ou Sheba, ou ainda, em árabe سبأ) é mencionado no Antigo Testamento e no Corão, como um reino muito rico, conhecido através da Rainha de Sabá, que teria visitado o rei Salomão. Sabá era uma sociedade matrilinear, em que o poder é passado aos descendentes pela via feminina. 7 Idem nota 3 (p. 60) 8 Idem nota 3 (p. 59) 9 Doutrina contrária ao que foi definido pela Igreja em matéria de fé 1

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