sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Barack Husseim Obama: a vitória do novo (Memélia Moreira de Orlando [EUA])

Nascido no Havaí há 47 anos, de mãe branca e pai negro do Quênia, Barack Husseim Obama chega à presidência do país mais poderoso do mundo. "Não sou um candidato negro. Sou senador do Estado de Illinois disputando a presidência dos Estados Unidos da América." Com essa resposta, dita há cerca de 18 meses, Barack Husseim Obama começou a trilhar o caminho da vitória nas urnas. Foi naquele momento, quando um jornalista (branco) que lhe perguntara sobre significado da candidatura de um negro, num país de brancos que ele traçou o perfil de uma candidatura que continha todos os ingredientes para se tranformar em mais uma disputa étnica. E assim se impôs também diante dos negros que, tão racistas quanto os brancos, pretendiam ir à forra com a possibilidade de vitória de Obama. Nascido no Havaí há 47 anos, de mãe branca e pai negro do Quênia, Barack Husseim Obama, do Partido Democrata e representante de Illinos no Senado vem fazendo história no seu país há 21 meses, desde quando decidiu se candidatar contra a poderosa senadora pelo Estado de Nova York Hillary Rodham Clinton, ex-primeira dama por oito anos. A audácia parecia excessiva. Afinal de contas, além de negro, num país onde o racismo continua presente, Obama ia lutar contra a máquina dos Clinton dentro do Partido Democrata. Máquina que há anos decide quem pode e quem não deve ser candidato pelos democratas. Mas o negro não se intimidou e sequer deixou que os correligionários usassem o tom de sua pele na campanha. Contra ou a favor. Sua primeira vitória foi isolar essa cor que parece estigma nos EUA. Quando venceu as primárias da Carolina do Sul, descobriu que até mesmo dentro do seu partido, que tem fama de esquerda, o racismo não tem fronteiras. Ao comentar a vitória de Obama sobre a concorrente, o ex-presidente Bill Clinton fez um comentário carregado de preconceitos. Carolina do Sul é um Estado com uma grande população de negros e Clinton, com uma indisfarçável dor de cotovelo por ver a derrota de sua esposa, disse: "É, Jesse Jackson também ganhou em Caroliona do Sul". Jesse Jackson é negro e, em 1992, disputou as primárias do Partido Democrata contra Bill Clinton. Menos de uma semana depois, Clinton desculpou-se da grosseria. Àquela altura, Obama já vinha conquistando mais e mais democratas. A primeira grande conquista aconteceu em 28 de janeiro. Dois dos mais ilustres representantes do clã Kennedy, o senador Edward Kennedy e a filha do presidente John Kennedy, Caroline, declararam apoio a Obama. A partir daí, o garoto que cresceu entre as areias do Havaí e a ditadura de Suharto, na Indonésia, foi colecionando troféus e arrecadando fundos de campanha que atingiram 695 milhões de dólares. Dizer que ele inicia uma nova era nos Estados Unidos é chover no molhado, tal a evidência. Mais do que isso, Obama não terá aqueles famosos "cem dias" de trégua concedidos a presidentes eleitos. Logo depois da valsa que vai dançar com sua mulher Michelle Obama, ainda de ressaca da festa da noite da posse, o novo presidente terá a tarefa hercúlea de tentar salvar os Estados Unidos a cada dia mais próximo do precipício. E o conselho a ser dado aos futuros assessores do novo presidente é: cheguem cedo. Obama não deixa ninguém calado em reuniões, é detalhista e não gosta muito que atrasem as tarefas distribuídas. E, do Nirvana, onde se encontra, um outro Husseim, o Saddam deve estar rolando de rir com as ironias do destino... Fonte: www.brasildefato.com.br

terça-feira, 28 de outubro de 2008

POEMA DO MENINO JESUS (Fernando Pessoa)

Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido"
-"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa. Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão. Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

A FORÇA QUE NUNCA SECA (Chico César/ Vanessa da Mata)

Já se pode ver ao longe
A senhora com a lata na cabeça
Equilibrando a lata vesga
Mais do que o corpo dita
O que faz e equilíbrio cego
A lata não mostra
O corpo que entorta
Pra lata ficar reta
Pra cada braço uma força
De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força nunca seca
Pra água que é tão pouca

terça-feira, 14 de outubro de 2008

"O zelo por tua casa me devora (Jo 2, 17)" (Ir. Maria José Meira)

"Não temas, mulher,
todo sofrimento que experimentas
pela injustiça que massacra a vida
e pela infidelidade sua e de sua gente,
tudo isso não tem comparação
com a ternura
e o amor apaixonado do Pai
em Jesus de Nazaré.
Ele, a criança que nos foi dada,
está inundando sua vida de luz
e, como daquela primeira vez, faz de ti
anunciadora da Boa Notícia da alegria.
É o zelo do Senhor dos Exércitos quem realiza
tudo isso – diz o profeta.
É o zelo por tua casa, que me devora
- diz o Filho.
Então, avante, mulher confiante,
não temas o ofício de ser porta-voz:
- da vida, mesmo quando esta se encontra ferida;
- da ternura, mesmo que esteja empapada do sangue da violência;
- da justiça, ainda que esteja algemada nos punhos dos pobres.
Vai, mulher, com determinação e diligência,
porque tua força está numa promessa:
do nascimento desta criança
recebestes, em plenitude,
graça sobre graça.
E oxalá, cheia de graça,
o zelo pela casa do Filho também te devore".

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

No Coração da Igreja Serei o Amor (Santa Tesinha do Menino Jesus)

"Meus imensos desejos me eram um autêntico martírio. Fui, então às cartas de São Paulo a ver se encontrava uma resposta. Meus olhos caíram por acaso nos capítulos doze e treze da Primeira Carta aos Coríntios. No primeiro destes, li que todos não podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas, doutores, e que a Igreja consta de vários membros; os olhos não podem ser mãos ao mesmo tempo. Resposta clara, sem dúvida, mas, não capaz de satisfazer meu desejo e dar-me a paz.
Perseverei na leitura sem desanimar e encontrei esta frase sublime: ‘Aspirai aos melhores carismas. E vos indico um caminho ainda mais excelente’ (1Cor 12, 31). O Apóstolo esclarece que os melhores carismas nada são sem a caridade, e esta caridade é o caminho mais excelente que leva com segurança a Deus. Achara enfim o repouso.
Ao considerar o Corpo Místico da Igreja, não me encontrara em nenhum dos membros enumerados por São Paulo, mas, ao contrário, desejava ver-me em todos eles. A caridade deu-me o eixo de minha vocação. Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno.
Então, delirante de alegria, exclamei: Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e desse modo serei tudo, e meu desejo se realizará". Trecho retirado da autobiografia de Santa Teresa do Menino Jesus, virgem.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Quando O Amor Vacila (Maria Bethânia)

Eu sei que atrás deste universo de aparências,
das diferenças todas,
a esperança é preservada.
Nas xícaras sujas de ontem
o café de cada manhã é servido.
Mas existe uma palavra que não suporto ouvir,
e dela não me conformo.
Eu acredito em tudo,
mas eu quero você agora.
Eu te amo pelas tuas faltas,
pelo teu corpo marcado,
pelas tuas cicatrizes,
pelas tuas loucuras todas, minha vida.
Eu amo as tuas mãos,
mesmo que por causa delas
eu não saiba o que fazer das minhas.
Amo teu jogo triste.
As tuas roupas sujas
é aqui em casa que eu lavo.
Eu amo a tua alegria.
Mesmo fora de si,
eu te amo pela tua essência.
Até pelo que você poderia ter sido,
se a maré das circunstâncias
não tivesse te banhado
nas águas do equívoco.
Eu te amo nas horas infernais
e na vida sem tempo, quando,
sozinha, bordo mais uma toalha
de fim de semana.
Eu te amo pelas crianças e futuras rugas.
Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
e pelos teus sonhos inúteis.
Amo teu sistema de vida e morte.
Eu te amo pelo que se repete
e que nunca é igual.
Eu te amo pelas tuas entradas,
saídas e bandeiras.
Eu te amo desde os teus pés
até o que te escapa.
Eu te amo de alma para alma.
E mais que as palavras,
ainda que seja através delas
que eu me defenda,
quando digo que te amo
mais que o silêncio dos momentos difíceis,
quando o próprio amor vacila.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Olhai os lírios do campo (Érico Veríssimo)

“...Quero que abras os olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo. Peço-te que pegues na minha Bíblia, que está na estante de livros, perto do rádio, e leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar nesse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não trabalham nem fiam e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles. Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar de papo para o ar, esperando que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Mas, precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu...”
Trecho retirado do livro "Olhai os lírios do campo" do escritor Érico Veríssimo

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Loucura Sagrada (Dom Helder Câmara)

"Sonhei que o Papa enlouquecia
E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano
E à Basílica de São Pedro.
Loucura sagrada!
Porque Deus atiçava o fogo que os
Bombeiros, em vão, tentavam extinguir.
O Papa, louco, saia pelas ruas de Roma
Dizendo adeus aos embaixadores
Credenciados junto a ele
Jogando a Tiara ao tibre.
Espalhando pelos pobres, todos,
O dinheiro do banco do Vaticano.
Que vergonha para os cristãos!
Para que um Papa viva o Evangelho
Temos que imaginá-lo em plena loucura"

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Recanto

É um recanto de paz e sossego, lugar de encontro com Deus.

Por do sol no Vale do Jequitinhonha

É um belíssimo por do sol na região do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres e necessitadas de nosso país. É um lugar marcado pela seca, pela fome, pela luta de um povo sofrido. Um povo que tem uma religiosidade muito bonita, um carinho imenso pela Virgem Maria - companheira de caminhada. Este por do sol, presente de Deus para aquele povo sofrido, é esperança que se renova a cada dia e força para lutar.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

DNJ

Está na hora de começarmos a mobilizar esta juventude bonita do nosso país para celebrarmos juntos o Dia Nacional da Juventude.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Rio Paranaíba

Este sou eu às margens do rio Paranaíba, na divisa dos estados de Minas Gerais com Goiás. É um lugar muito bonito. Este horizonte que aparece pertence ao estado de Minas Gerais.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Sutileza da flor

A sutileza da flor revela a ternura de Deus.

Presença de Deus

A beleza da flor nos fala da presneça de Deus.

A força que nunca seca

José Bakir

"A força que nunca seca"

"Pra cada braço uma força

De força não geme uma nota

A lata só cerca, não leva

A água na estrada morta

E a força nunca seca

Pra água que é tão pouca.

Pra cada braço uma força

De força não geme uma nota

A lata só cerca, não leva

A água na estrada morta

E a força nunca seca

Pra vida que é tão pouca."

(Chico César e Vanessa da Matta)

Com a epígrafe desta música de Chico César e Vanessa da Matta, que ficou belíssima na voz de Maria Bethânia, gostaria de começar o trabalho que se dará a partir de uma entrevista de Frei Betto1 ao programa Retratos, da TV Horizonte de Belo Horizonte. Nesta entrevista são abordadas questões latentes à realidade sócio-política-econôminca que o nosso país está vivendo e apontadas algumas possíveis soluções para a realidade crítica do Brasil.

Em se tratando de questões políticas percebe-se que existe um distanciamento entre o poder político e o povo brasileiro. "Brasília está longe do Brasil", um distanciamento de alguns políticos da realidade de miséria em que vive o restante do país. Isto é uma prova de que o poder dá ao ser humano algumas regalias e bajulações, como também, bajuladores. Neste sentido, o próprio Frei Betto diz que "o poder não transforma as pessoas, faz com que se revelem".

O que se percebe é que o atual governo ficou muito aquém das expectativas do povo brasileiro. Houve um grande avanço na política externa brasileira, porém, a política econômica precisa melhorar. O maior erro do PT foi ter vestido a camisa do poder, deixando de lado a camisa popular que sempre vestiu e com a qual ganhou imenso números de eleitores.

Um ponto interessante é quando Frei Betto afirma que "nem sempre quem governa tem o poder, tem parcela do poder, mas, não não tem o poder". Isto mostra a realidade funcional da política. Não é simplesmente o fato de o presidente ter sido eleito por maioria dos votos que dá a ele o direito de governar o país com soberania. Tem um grupo de empresários fortes por trás que muitas vezes é quem governa para o presidente. A grande questão que se pode fazer é: qual o papel do presidente? Ser apenas eleito para dizer que o país tem um presidente? Penso que a saída não por é aí, que existem outros caminhos mais fáceis de serem percorridos pela política.

No ano de 2002, antes mesmo de ser anunciado como candidato do PT para disputar as eleições presidenciais daquele ano, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva fez uma palestra no auditório da Universidade Católica de Brasília (UCB) para um grupo de estudantes universitários e a comunidade local. No decorrer da palestra ele foi indagado por uma universitária sobre o fato de algumas pessoas dizerem abertamente que não gostavam de política e que não ligavam muito para os problemas políticos do nosso país. A esta indagação veio a resposta com uma frase que marcou quem estava presente naquele auditório: "O problema de quem não gosta de política é que são governados por quem gosta". Esta mesma frase foi dita por Frei Betto, ainda que com palavras diferentes: "Quem tem nojo da política é governado por quem não tem". É uma afirmação que nos leva a refletir sobre o nosso papel dentro do quadro político do nosso país.

Esta reflexão é importante no sentido em que ajuda a sociedade civil a se organizar enquanto movimentos populares. A socidade civil organizada através de movimentos sociais é mais importante que os partidos, pois, é a sociedade que conquista seus direitos. Quem não se mobiliza não alcança os direitos reivindicados. Para que nossa democracia passe de meramente representativa para participativa é preciso fortalecer os movimentos populares.

Um outro ponto abordado na entrevista e que vale a pena ser levantado neste trabalho é a questão do programa do governo chamado "Fome Zero". Ainda hoje este programa não conseguiu entrar num ninxo fundamental que são as áreas de miséria das grandes cidades brasileiras. Falta gerenciamento para o programa. A porta com que as famílias assistidas pelo "Fome Zero", que é a reforma agrária, ainda não foi aberta. Sem a reforma agrária há o risco de, uma vez suspensa a distribuição de renda via bolsa família, haver um retorno de muitas destas famílias à miséria que viviam antes.

Infelizmente em nosso país a máquina do estado só serve para favorecer os grandes. Entristece muito saber que a elite tem um poder muito grande junto a qualquer governo. Com relação a isto os compositores Sergio Brito, Marcelo Fromer e Charles Gavin, da banda de rock Titãs, diz como uma forma de manifestar contra o sistema político que "tudo em que virar óleo pra por na máquina do Estado. Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?"2 A saída para este problema é saber votar bem, em priemiro lugar, e depois, fortalecer os movimentos populares, pois, o governo faz para quem pressiona mais.

Quando se fala em esquerda hoje é preciso lembrar que uma característica marcante de uma pessoa de esquerda é que ela pode perder tudo (a liberdade, a vida), mas, não pode perder a moral. Ser de esquerda é ficar indignado com as desigualdades sociais e ser de direita é considerar essas desigualdades tão naturais como o dia e a noite. Uma pessoa que tem a "bem aventurança" da fome de justiça é considerada de esquerda. Para o cristão, como ser humano, é ofensivo constatar que vivemos em um mundo com atualmente 6.500.000.000 de pessoas, das quais, 4.000.000.000 vivem abaixo da linha de pobreza segundo a ONU. São pobres daqueles que vivem com uma renda diária de no máxiom 2 dólares, ou mensal de no máximo 30 dólares. 1.000.500.000 pessoas vivem abaixo da linha da miséria, que corresponde a uma renda de no máximo 1 dólar por dia ou 30 dólares por mês. Não dá para dizer que o capitalismo é um êxito. Neste sentido, o fato de nascer em uma família rica não deveria representar nenhum privilégio, mas, uma dívida com a sociedade. É por isto que é importante o que chamamos de esquerda, pois, é importante continarmos acreditando em um outro mundo possível, porque este mundo é desumano, este mundo é anti-evangélico, este mundo não assegura – a uma grande parcela da população – direitos animais, de bichos. Não teremos paz enquanto não implementarmos a justiça.

Existem 2 projetos de paz no mundo: o do presidente Bush, que é a paz pela imposição das armas, e o outro do presidente Lula que é a paz pela promoção da justiça e esse é o grande desafio da sociedade mundial.

Voltando o tema para um contexto mais teológico pode se perguntar qual a relação entre fé e política? É preciso, acima de tudo, ter uma vida de oração ativa e aproximar mais dos oprimidos, dos exluídos, aproximando, desta forma, de Jesus. Este é o motivo pelo qual foi colocada como epígrafe a música de Chico Cesar e Vanessa da Matta. "A força que nunca seca" canta a vida e a história de um povo que luta e que sofre com os problemas causados pelas desigualdades sociais, má distriubuição de renda, falta de uma reforma agrária, discriminação, enfim, canta a história do povo pobre e miserável do nosso país. Mas, é interessante perceber que, apesar de todo este sofrimento, ainda resta uma esperança, ainda resta fé em Deus e em Cristo Jesus que se faz presente na vida e na história deste povo. É por isto que "a força nunca seca".

1 Frei Betto é religioso e escritor, escreveu mais de 50 obras dentre as quais seu mais recene livro: "Mosca azul: reflexão sobre o poder"

2 Música "Desordem" dos Titãs.

A lua

Esta foto foi tirada em uma linda noite de lua cheia nos céus de Belo Horizonte. É o Deus da vida que vela nosso sono para que possamos dormir em paz.

O Pai Misericordioso (Lc 15, 11-32)

José Bakir

O PAI MISERICORDIOSO (Lc 15, 11-32)

  1. Introdução:

Este trabalho visa elaborar uma reflexão a cerca da Parábola do Filho pródigo (ou Pai misericordioso) que está em Lc 15, 11-32. O capítulo 15 é o coração do evangelho de Lucas e é marcado pela narrativa das parábolas dos perdidos encontrados, sendo que a do filho perdido é o culme do capítulo. As três parábolas são marcadaspela procura, pela alegria – que em Lc trata-se da alegria escatológica – e pela espera. Este trabalho se atém apenas na última párabola, a qual será desenvolvido analisando as três personagens que aparecem nesta narrativa: o filho mais novo, o filho mais velho e o pai, procurando perceber suas reações, seus sentimentos e comportamentos.

  1. O filho mais novo:

Num primeiro momento ater-se-á à pessoa do filho mais novo (aquele que sai de casa) e também à pessoa do pai e na forma como ele relaciona com filho mais novo.

Rezando bastante sobre as atitudes e os pensamentos dos dois pode-se concluir que é preciso ter coragem e ser misericordioso. Ter a coragem que o filho mais novo teve quando decidiu sair de casa, rompendo assim com toda uma estrutura familiar, religiosa e moral de sua época. Ter a coragem que ele teve quando decidiu voltar para casa, pois, ele tinha consciência do que fez, da vida depravada e desregrada que levou e do estado emocional que ficaram seu pai e seu irmão mais velho.

O filho mais novo começa a viver um processo de conversão que se dá no mais íntimo do exílio humano. O estado de desolação e solidão em que se encontra representa toda a miséria humana, toda a fragilidade humana, o extremo da humilhação humana e a necessidade que o homem tem de se reconhecer como um fraco. É quando cai em si e resolve voltar: "Quantos empregados de meu pai tem pão cm fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou me levantar, procurar meu pai e dizer a ele: Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não sou digno de ser chamado seu filho. Trata-me como um dos teus empregados" (Lc 15, 17-19). Com relação a esta parte a bibliografia utilizada diz:

O início do processo de conversão situa-se exatamente aí. No exílio, na iminência de morrer de fome, o filho percebe e reconhece que a verdadeira causa da miséria em que se encontra foi a ruptura da comunhão com o pai. Ao reconhecimento das conseqüências dessa ruptura segue-se uma nova decisão, uma virada no rumo de sua vida. O filho pródigo, agora perdido, decide fazer o caminho de volta para casa do pai. 1

Ele reconhece seus erros e seus defeitos e teve coragem de assumi-los, voltando para casa.

O gesto de voltar para casa quer dizer: eu reconheço que errei e quero recomeçar. Ser misericordioso com as pessoas foi a mais bela demonstração de amor que o pai teve para com seu filho. No instante em que o pai vê seu filho voltando, ele corre para abraçá-lo e cobri-lo de beijos. Este gesto quer dizer: tudo que você fez ficou no passado, o importante é que você voltou para sua casa. A imagem do pai misericordioso que São Lucas nos transmite é belíssima. Ser misericordioso com as pessoas é a mais bela demonstração de amor, é ser capaz de esquecer os erros e as mágoas do passado, é deixar a pessoa "voltar para casa" e acolhê-la bem.

  1. O filho mais velho:

A pessoa do Filho mais velho (aquele que permanece em casa) e o relacionamento do pai misericordioso para com ele é algo intrigante. Ele é caracterizado como o único futuro herdeiro (v. 31). Em um primeiro momento pode-se até pensar em dar razão ao filho mais velho por sua atitude de não aceitação do gesto do pai de acolher com uma festa o filho mais novo.

Analisando a situação com a mentalidade da época de Jesus, o filho mais velho tem toda razão em não entrar na casa e de não querer participar da festa, pois, o filho caçula havia se tornado impuro ao conviver com prostitutas. Para um judeu da época conviver com pessoas impuras era algo inconcebível. Além do mais, se ele entrasse e participasse da festa, ele estaria sendo cúmplice e concordando com algo que para um judeu era inconcebível. O filho mais velho zela apenas pelo cumprimento da lei, falta a ele a capacidade de ir além do que está contido na lei, falta-lhe a caridade fraterna. Ele não consegue captar o que se passa no íntimo do coração do pai e do filho que volta.

Também se pode refletir sobre os seguintes questionamentos: se o dinheiro não tivesse acabado? Se não houvesse fome e nem desemprego na região? Será que o filho mais novo teria voltado para casa? Quem garante que ele não sairia de casa novamente? São questionamentos e sentimentos que o filho mais velho tem e que representa tudo o que se passa na cabeça e no coração dos fariseus. Sua imagem é dos "piedosos" de Israel. Ele aborrece-se e revolta-se contra o gesto do pai, protesta contra o risco que corre a ordem moral, contra essa misericórdia incompreensível.

"Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo" (v. 26). Esta pergunta é marcada pelo sentimento do medo, da insegurança, da incerteza. São sentimentos que invadem o ser humano quando se sentem fragilizados pelos acontecimentos da vida. Muitas vezes somos surpreendidos por estes acontecimentos, eles acontecem quando menos esperamos. Porque não ama, não se sente amado; e porque não se sente amado, é desconfiado e ciumento. Percebe-se um despreparo para acolher o Evangelho: "Mas, o irmão mais velho não estava preparado para receber uma 'boa notícia'" (Barreiro, p. 67). Ao invés de alegrar-se ele enche-se de raiva e não quer entrar.

Em um segundo momento aparece a pessoa do pai novamente com toda sua misericórdia. É o pai que, mais uma vez, vai ao encontro do filho – desta vez o mais velho (v. 28b) – e procura mostrar para ele que acima de qualquer mágoa, acima de qualquer lei ou religiosidade opressora, está o amor. Percebe-se que quem realmente está longe da casa do pai é o filho mais velho, pois, o filho mais novo mesmo estando em lugar distante pensa na casa do pai, ao passo que o filho mais velho nem sequer o chama de pai.

  1. O pai:

Neste trecho do evangelho de Lucas a figura do pai é marcada por uma característica que lhe é peculiar: o fazer-se próximo (cf.vv.20b e 28). Nesta característica ele deixa transparecer a presença marcante e inquietante do amor. Um amor que é traduzido pela misericórdia do pai e que é o centro da parábola.

A manifestação deste amor na figura paterna que o evangelista nos apresnta é algo que nos impulsiona a agirmos com um impulso expontaneo na direção do meu próximo. Lucas apresenta um Deus que vem ao encontro do ser humano em sua sujeira, em sua pequenez, em sua "humanidade ferida e profanada". O evangelista faz isto para mostrar que o Reino de Deus não se compara ao reino humano, mas, supera todas as barreiras e limitações impostas pela opressão. É uma atitude que nos levanta, nos honra e nos traz de volta a alegria de viver e a dignidade. "O amor de Deus antecipa-se nos seus gestos às expressões do nosso arrependimento".

Quando o filho mais novo resolve sair de casa o pai não o repreende, deixo-o usar da sualiberdade de filho. O pai fica a esperar ancioso pelo regresso daquele que saiu de sua casa, mesmo sem saber quando ele voltaria e se ele votaria. Quando resolve voltar da mesma forma não o repreende e nem faz nenhum tipo de comentário, mas, o acolhe. Não diz uma única palavra quando reencontra o filh, seus sentimentos são transmitidos por meio de gestos: corre ao encontro, abraça-o e o cobre de beijos. Aqui se percebe que a figura do pai é de um pai que perdoa e devolve a seus filhos a dignidade perdida.

No final da parábola mais uma vez o pai vai ao encontro do filho, só que desta vez é o filho mais velho. Acredita-se que seja este o ponto mais importante da parábola que Lucas quis transmitir: a discursão do filho mais velho com seu Pai. O filho mais velho é Israel e ele se aborrece pelo fato de voltarem os perdidos. Irrita-se porque organizam um banquete para aqueles que estavam já esquecidos. Pensou que a casa fosse sua e não quis preocupar-se com os outros. O pai, ao invés, busca o pobre. Representa a atutude de Jesus Cristo que se ocupa dos homens que se acham esquecidos e perdidos, pecadores, publicanos e gentios. A defesa do perdão e a atitude de Crista fica clara.

A imagem de Deus que Jesus quer passar é de um Deus que é próximo do seu povo e que o ama.

O que Jesus quer nos mostrar nesta parábola é o modo como Deus, nosso Pai, se comporta conosco, seus filhos; como ele pensa e sente, age e reage diante dos nossos comportamentos. Porque o mais surpreendente e o mais comovente na parábola é o comportamento do pai,..."2

Trata-se de um comportamento que deixa transparecer um amor que respeita a liberdade do outro, que perdoa, que acolhe e que se alegra como o retorno do outro e que nos impulsiona a irmos ao encontro do próximo (sacrifício).

  1. Conclusão:

Outro detalhe importante desta parábola é a questão da festa. O pai convida o filho mais velho para que também ele faça parte desta festa, desta alegria da ressurreição e do reencontro. "O pai saiu para suplicar-lhe" (v. 28b).

A narração da parábola é interrompida, sem revelar o que o pai faraá como filho mais velh. Jesus não julga, mas oferece a salvação. Quer dalvar também os fariseus. Todos necessitam de conversão, tanto os pecadores, como aqueles que se julgam justos.

O evangelista Lucas, de forma proposital, termina a história sem nos dizer se o filho mais velho entra ou não. Fica para nós respondermos a seguinte pergunta: o filho mais velho entra ou não entra na festa? Acredito que para dar esta resposta cada um deve assumir o papel do filho mais velho e decidir se entra ou não nesta festa. Cabe a cada um de nós refletir se está ou não preparado para fazer parte desta festa.

A festa da alegria, da ressurreição e do reencontro já começou, o convite foi feito a todos nós. Estamos prontos para aceitar este convite e fazer parte desta festa?

  1. Bibliografia:

Bíblia de Jerusalém com notas.

BARREIRO, Álvaro. A parábola do pai misericordioso à luz do quadro de Rembrandt. "O regresso do Filho Pródigo". São Paulo: Loyola, 1998

STOGER, Alois. O Evangelho Segundo Lucas. Petrópolis: Vozes 19674 (Col. Novo Testamento Comentário e Mensagem)

PIKAZA, Javier. A teologia de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1985

1 BARREIRO, Álvaro. A parábola do Pai misericordioso à luz do quadro de Rembrandt. "O regresso do Filho pródigo". São Paulo: Loyola, 1998 (p. 53)

2 Idem nota 1, pag. 89

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Entardecer em Caldas Novas-GO

Belíssimo entardecer em Caldas Novas-GO que nos faz refletir sobre a presença e a ação de Deus em nossas vidas. Somente Deus, em sua infinita bondade, poderia nos dar de presente algo tão belo.

Por do sol em Guapó-GO

Um belíssimo por do sol em Guapó-GO, outro maravilhoso presente do amor de Deus para a humanindade...

Por do sol em Caldas Novas

Para mim o por do sol é a minifestação maior da grandiosidade do amor de Deus pela humanindade. É um lindo presente que Deus dá a humanidade como prova do seu amor infinito. Contemplar esta maravilha da natureza é contemplar o amor de Deus e sua presença em nossa vida a nos abençoar e a nos dizer sempre: eu te amo.

Força e esperança em Antão

José Bakir

Força e esperança em Santo Antão

  1. Introdução:

A obra escolhida foi o escrito de Santo Atanásio que fala sobre a Vida e a Conduta de Santo Antão, um anacoreta. O desenvolvimento deste trabalho tem como objetivo ver a influencia e a força espiritual de Antão para sua época e para os tempos atuais.

Santo Antão do Deserto, também conhecido como Santo Antão do Egito, Santo Antão, o Grande, Santo Antão, o Eremita, Santo Antão, o Anacoreta1, ou ainda O Pai de todos os Monges, é comummente considerado como o fundador do monaquismo cristão. Uma vez que o seu nome latino é Antonius, em traduções displicentes de obras onde o seu nome figura para a língua portuguesa, o nome do santo tem sido vertido como António do Deserto, do Egito, o Grande, ... (nome que, de resto, mantém nas demais línguas europeias).

Conhecemos a sua vida graças ao relato que dela nos fez Santo Atanásio de Alexandria, na Vita Antonii, em português Vida e conduta de Santo Antão, cerca de 360. Segundo este, teria nascido em 251, na Tebaida, no Alto Egito, e falecido em 356, portanto com cento e cinco anos de idade.

Cristão fervoroso, com cerca de vinte anos tomou o Evangelho à letra e distribuiu todos os seus bens pelos pobres, partindo para viver em um sepulcro abandonado e, em seguida, no deserto. Aí, segundo o relato de Atanásio, e tal como sucedera com Jesus, foi tentado pelo Diabo. Porém, Antão resistiu às tentações e não se deixou seduzir pelas tentadoras visões que se multiplicavam à sua volta.

O seu nome começou a ganhar fama, e começou a ser venerado por numerosos visitantes, sendo visitado no deserto por inúmeros peregrinos.

Os religiosos que, tornando-se monges, adaptaram o modo de vida solitário de Antão, chamaram-se eremitas2 ou anacoretas, opondo-se aos cenobitas3 que escolheram viver em comunidades monásticas.

    1. O autor da obra:

O século IV, a idade de ouro da literatura cristã, nos oferece em seus umbrais a figura gigantesca de Atanásio de Alexandria, o homem cujo gênio contribuiu para o engrandecimento da Igreja muito mais que a benevolência imperial de Constantino. Seu nome está indissoluvelmente unido ao triunfo do Símbolo de Nicéia, que ainda hoje rezamos.

Deus nosso Senhor permitiu que houvesse várias heresias logo no início da Igreja. Com isso, ao refutá-las, os doutores foram explicitando a verdade católica a partir da Revelação e estabelecendo assim os fundamentos básicos sobre os quais se firmasse a verdadeira doutrina. Uma das heresias que mais dano causou à Igreja, a partir do século III, foi o arianismo, devido ao apoio que encontrou da parte de muitos bispos e imperadores. Ário começou a pregar uma nova doutrina, que negava a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Santo Alexandre, novo Patriarca de Alexandria, condenou-a como herética.

O Prelado4 foi a Alexandria para tentar fazer cessar a "epidemia" provocada pelo arianismo. Este, estando com Santo Atanásio, reconheceu logo sua ortodoxia; bem como a má-fé e erro de Ario. Por isso, aconselhou o Imperador a convocar um concílio em Nicéia, para condenar a nova heresia. Neste foi composto o famoso Credo de Nicéia, que alguns heresiarcas assinaram constrangidos, e outros, recusando-se a fazê-lo, foram exilados.

Foi ali, na grande assembléia, que um pequeno grande homem, secretário de Santo Alexandre, se fez notar pelo fogo de suas palavras, eloqüência e amor à ortodoxia católica. Era ele Atanásio.

Atanásio era uma dessas raras personalidades que deriva incomparavelmente mais de seus próprios dons naturais de intelecto do que do fortuito da descendência ou dos que o rodeiam. Sua carreira quase personifica uma crise na história da Cristandade, e pode-se dizer dele que mais deu forma aos acontecimentos em que tomou parte do que foi moldado por eles. A esta descrição psicológica devemos acrescentar sua fé profunda e inabalável, a serviço da qual colocou suas qualidades naturais.

De estatura abaixo da média (pelo que foi objeto de debique por parte do apóstata Juliano), segundo seus biógrafos, era de compleição magra, mas forte e enérgico. Tinha uma inteligência aguda, rápida intuição, era bondoso, acolhedor, afável, agradável na conversação, mas alerta e afiado no debate.

A História não guardou o nome de seus pais. Pela alta formação intelectual que ele demonstra ainda jovem, julga-se que pertencia à classe mais elevada.

Ainda adolescente, foi notado e apreciado por Santo Alexandre, que o tomou sob sua proteção e, com o tempo, o fez seu secretário. No Concílio de Nicéia ainda não havia recebido a ordenação. Mas, cinco meses depois, Santo Alexandre, ao falecer, designou-o como seu sucessor na Sé de Alexandria. Atanásio tinha apenas trinta anos de idade.

Triste herança recebeu o jovem bispo. Durante seus primeiros anos de episcopado, os melecianos e arianos juntaram-se para tumultuar o povo e lançar o espírito de revolta, de que se alimentam as heresias. Pois o arianismo, se bem que tivesse um suposto fundamento religioso, era mais um partido político de agitadores, como muitos movimentos da esquerda católica de hoje em dia. Não havia calúnia, difamação e ardil que os arianos não inventassem contra Atanásio, para minar sua autoridade.

O Imperador Constantino, perdendo sua mãe Santa Helena, ficou sob a influência de sua irmã Constância, conquistada pela heresia. A pedido dela, fez voltar do exílio os hereges exilados em Nicéia, enquanto perseguia os católicos ortodoxos.

Apenas retornado do exílio, Eusébio de Nicomédia convoca um concílio em Cesaréia, sede do outro Eusébio ariano, para condenar Santo Atanásio. Este é intimado a comparecer em Tiro — para onde o concílio havia sido transferido — a fim de responder às acusações assacadas contra ele.

Fizeram entrar uma mulher de cabelos desgrenhados que, com altos gritos, acusou o Santo de ter dela abusado. Um dos padres de Atanásio, percebendo o jogo, levantou-se e foi até a impostora, exclamando: "Como! Então é a mim que imputas esse crime?!". Ela, que não conhecia Atanásio, replicou: "Sim, é a ti. Eu bem te reconheço". Houve uma gargalhada geral, e a miserável fugiu cheia de confusão. Mas, isso não desarmou os impostores. Mostrando uma mão ressequida, afirmaram pertencer a um tal Arsênio, que havia tempos desaparecera, e certamente fora esquartejado por Atanásio para efeitos de magia. Atanásio faz entrar na sala o próprio Arsênio, que descobrira na solidão do deserto. Mostrando-o, disse aos acusadores: "Vejam Arsênio, com suas duas mãos. Como o Criador só nos deu duas, que meus adversários expliquem de onde tiraram essa terceira". Os hereges, confundidos, provocaram verdadeiro tumulto e suspenderam a sessão

Com calúnias e outros artifícios, os hereges, que gozavam do prestígio do poder imperial, conseguiram que o Santo fosse exilado cinco vezes.

O primeiro exílio, em Treveris, durou cinco anos e meio, terminando em 337 quando, com a morte de Constantino, seu filho do mesmo nome chamou Atanásio para ocupar novamente sua Sé. No ano anterior, Ário, sentindo-se mal quando era levado em triunfo pelos seus partidários, teve que retirar-se a um lugar escuso, onde morreu com as entranhas nas mãos.

Entretanto, morto o heresiarca, não morreu a heresia, que em 340 conseguiu impor um bispo herege em Alexandria, tendo Atanásio que fugir para o exílio em Roma. Foi bem acolhido pelo Papa, que condenou o intruso.

Atanásio passou três anos em Roma, onde introduziu os monges do Oriente. Publicou na Cidade Eterna grandes obras contra os hereges arianos. Em 343 foi exilado para a Gália.

A década de 346 a 356 foi o período de ouro para Atanásio na Sé de Alexandria. Pôde dedicar-se inteiramente ao ministério episcopal, instruindo o clero e o povo, dedicando-se aos necessitados e favorecendo a vida monástica. Sobretudo fortaleceu na fé os católicos fiéis.

Em um novo concílio, em Milão, em 356, os arianos obtiveram que Santo Atanásio fosse mais uma vez exilado. Ele retirou-se então para o deserto do alto Egito, levando uma vida de anacoreta durante os seis anos seguintes, vivendo com os monges e dedicando-se a seus escritos.

Com a subida de Juliano, o Apóstata, ao trono imperial, Atanásio pôde voltar, em 362, a Alexandria. Mas, pouco depois, ciumento do prestígio do Santo, o ímpio imperador mandou exilá-lo de novo. Não foi por muito tempo, pois Juliano faleceu no ano seguinte, depois de ter tentado restaurar no Império o paganismo. O novo imperador, Joviano, anulou o exílio de Atanásio, que voltou mais uma vez a Alexandria.

Favorecido com a boa vontade do novo Imperador, o patriarca pensava desta vez poder dedicar-se inteiramente às suas ovelhas. Joviano, entretanto, faleceu no ano seguinte, e Atanásio foi mais uma vez exilado. Conta-se que teve de refugiar-se durante quatro meses no túmulo de seu pai.

O povo de Alexandria não podia passar sem seu zeloso pastor. Recorreu nessa ocasião a Valente, irmão do Imperador ariano Valentiniano, e obteve que Atanásio pudesse voltar em paz à sua igreja.

Assim, depois de uma vida tão tumultuada e de tantos perigos, Santo Atanásio, como ressalta o Breviário Romano, "morreu em paz em seu leito", no dia 18 de janeiro de 373. Havia governado, com intervalos, durante 46 anos, a igreja (diocese) de Alexandria.

  1. A "Vida":

Tendo rompido todos os laços com o mundo, Antão se entrega à vida solitária: sua longa carreira se divide em quatro etapas, cada vez um isolamento mais completo. Estabelece-se ele primeiro na vizinhança imediata de sua aldeia natal para aproveitar-se dos conselhos dum ancião mais experimentado (este tempo é essencial: a vida do solitário é dura escola e não se aprende sem mestre). Depois, foi para um cemitério e se trancou dentro de uma sepultura pro vários anos. Depois, por quase vinte anos, no pequeno forte abandonado (os romanos tinham-nos construído ao longo das pistas entre o Nilo e o Mar Vermelho), e, para terminar, se entranha ainda mais no deserto.

Acredito que seja difícil para quem tem o pensamento influenciado pelo desenvolvimento do pensamento moderno compreender o que leva uma pessoa a abandonar toda a riqueza que possui, todos os bens, para poder viver uma vida de completo ascetismo e servidão a Deus. Neste mundo que se diz modernizado com os avanços tecnológicos e científicos, com a internet fazendo parte da vida das pessoas como algo essencial, enfim, com tudo que nos proporciona uma vida mais tranqüila e mais segura, é inconcebível alguém pensar em deixar tudo isto e viver uma vida de real despojamento e servidão a Deus.

Antão, através de seus ensinamentos e estilo de vida, nos ensina que se é capaz de realizar tais atos, basta querer e de fato se entregar inteiramente a esta ascese.

Antão, tendo recebido de Deus a lembrança dos santos como se a leitura tivesse sido feita para ele, saiu logo da igreja. Os bens que recebeu dos pais, trezentos aurures de excelente terra fértil, deu-os de presente às pessoas da aldeia, para não ser estorvado por eles, nem ele nem sua irmã. Vendeu todos os móveis e distribuiu aos pobres todo o dinheiro recebido, salvo pequena reserva para a irmã. 5

Este fragmento retirado da obra de Santo Atanásio, quando ele discorre sobre Antão, nos mostra a profundidade de uma vida voltada totalmente para o serviço a Deus

e ao próximo. Tomado de um forte sentimento de entrega e seguimento a Jesus Cristo por meio de seus ensinamentos deixados como legado nos evangelhos, ele resolve deixar tudo e ir ao encontro daquilo que ele julgava ser a felicidade.

Ainda que a "Vida" diga explicitamente que Santo Antão não foi o primeiro anacoreta, sustentando, por outro lado, que foi o primeiro a retirar-se para o deserto do Egito, e ainda que, além disso , seja muito difícil assinalar origens e iniciadores precisos num movimento humano tão complexo como o monástico, contudo, a figura de Antão se sobressai de forma tão extraordinária, que com razão é ele considerado pai da vida monástica e, especialmente, como modelo perfeito da vida solitária. Sua fama já em vida, acrescentada depois de sua morte, sobretudo através das páginas da "Vida", é inteiramente justa. Ao celebrar sua festa, de acordo com muito antigas tradições, a 17 de janeiro, os cristãos reconhecem o poder de Deus entre os homens, a força de sua sabedoria ao deixar-nos um exemplo em homem tão humilde, o dom de seu Espírito multiforme com a discrição e o alento fraterno do grande ancião.

  1. As lutas contra os demônios:

A vida de Santo Antão foi marcada pela presença viva e fortalecedora do Espírito de Deus. Desde quando tomou a decisão de seguir a vida ascética Antão foi atormentado pelo diabo que tentou fazer de tudo para que desistisse, mas, todas as investidas do demônio foram em vão. De acordo com Santo Atanásio, em suas constantes lutas contra o demônio que ocorreram no período em que esteve nos sepulcros que se encontravam longe da aldeia onde morava e no deserto onde se refugiou fora lhe ocorrido várias lutas contra o demônio. Talvez o demoníaco quisesse aproveitar do momento de fraqueza corporal em que se encontrava Antão.

    1. O deserto:

O deserto constitui, na revelação do Antigo e do Novo Testamento, um tema de atração particular. Sabemos que Israel teve no deserto as experiências mais imediatas da presença, do amor, da misericórdia de Deus, e que nele teve que lutar pela pureza de sua entrega, pela fidelidade a seu Deus. Para uma tradição, o deserto passou a ser inclusive um símbolo da relação mais pura, da "frescura" do primeiro amor entre Deus e Israel. Na medida, porém, em que Israel se fez sedentário, foi variando sua compreensão do deserto, e não viu nele senão algo terrível, cheio de ameaças e feras, onde ninguém podia viver. Deste modo, a meditação de sua própria história fê-lo perder a visão "poética" de sua peregrinação pelo deserto, e apercebeu-se de que essa época esteve cheia de pecado, de ofensa a Deus, a tal ponto que em certo momento o deserto chegou a ser símbolo do juízo condenatório de Deus. Já se vislumbra nisto a oscilação na consideração do deserto como habitação privilegiada de Deus e como lugar de sua ausência, horrível, cheio de perigos e tentações.

O Novo Testamento é igualmente devedor dessa dupla visão. É no deserto que São João Batista começa o anúncio do Reino de Deus, e para onde foge a Igreja perseguida do Apocalipse. É também a montanha solitária lugar preferido por Jesus para sua oração íntima. Mas o deserto é, além disso, morada do demônio, símbolo do obscuro e sem vida. Jesus é tentado no deserto e, segundo seu próprio ensinamento, esse é o lugar próprio dos demônios.

Seja qual for a origem dessa dupla imagem do deserto, o essencial é que participa do paradoxo de tudo o que conforma a relação de Deus com o homem. Não há lugar, nem tempo, nem coisa, nem pessoa que goze da unidade que só é própria de Deus. Tudo está marcado com o signo da ambigüidade. Tudo pode ser sinal da presença de Deus, tudo pode ser também tentação para esquecê-lo.

O deserto aparece então não sob a simplista concepção de uma fuga ou evasão do mundo, senão como aquela realidade de nosso mundo na qual, mais do que em nenhuma outra, se está com indefesa desnudez ante a única decisão que importa: por Deus ou contra ele. O deserto recorda ao homem sua pobreza e solidão essencial, sem as quais não se pode compreender nem a riqueza da criação nem a graça que significa a comunidade e o serviço aos homens.

É essa dupla visão caracterizada também pela "Vida". Santo Antão vai ao deserto, vai progressivamente em busca de maior solidão para poder se enfrentar com todas as incitações que pretendem envolvê-lo em sua complexidade, estorvando-lhe o caminho à recuperação de sua unidade. É o lugar de sua luta contra o demônio. À medida, porém, que seu progresso espiritual avança, o deserto se converte para ele em lugar privilegiado de seu encontro pessoal e místico com Deus. Esta é a finalidade verdadeira e última de toda austeridade, de toda vida ascética. Seria insensato crer que Santo Antão ou os monges esgotam sua vida na busca do demônio. Buscam primeiramente a Deus, mas sabem muito bem que esse caminho passa através de todas as ilusões demoníacas. As privações de todo tipo, a leitura e meditação da Palavra de Deus, a oração constante, são as armas para percorrer o caminho sem temer os perigos. Sua meta última é, porém, restaurar a imagem do homem tal como foi criado por Deus: dono, e não escravo do mundo, ao serviço do único Senhor do universo, e assinalar o estado último e definitivo, em que tudo é um, em que tudo é Sim e Amém.

    1. O sepulcro:

O sepulcro assume uma característica própria em Santo Antão como sendo um lugar de refúgio, de silêncio e de preparação para a luta que irá empreender com os demônios. A forma despojada e encorajadora como Antão encara a decisão de passar vários anos de sua vida dentro de um sepulcro vazio:

Assim, triunfando de si mesmo, Antão foi para os sepulcros que se encontram longe da aldeia, tendo recomendado a um de seus amigos que lhe levasse pão a longos intervalos. Entrou num dos túmulos, fechou a porta e lá permaneceu sozinho.6

Nesta firme decisão de Antão percebe-se a força e a determinação que o conduzira e que certamente permaneceria com ele mesmo quando estivesse na presença dos "demônios". Neste sentido o sepulcro acaba assumindo um papel de lugar de conflitos que levou Antão a enfrentar a si mesmo, seus demônios e a tudo aquilo que o atormentava e fazia com que ele se sentisse cada vez mais distante da Palavra de Deus e do próprio Deus.

O inimigo – como é chamado o demônio no livro de Santo Atanásio – tentou por várias vezes fazer com que Santo Antão desistisse daquela idéia, porém, não teve exitos em suas investidas contra Antão. As derrotas sofridas pelo demônio só ocorreram porque havia presente em Antão uma força espiritual infinitamente superior à força do demônio e à dele próprio. É uma força que vem do alto e que o impulsionou a enfrentar corajosamente as forças do mal, sem se deixar abater ou amedrontar por elas. As dores e os traumas causados pelos ataques demôniacos não foram suficientes para fazer Antão desistir de seu obejtivo.

4.3. A vida ascética:

É exatamente esta força misteriosa que o levava adiante que nos faz refletir sobre o que conduz um homem a tomar decisões como a de Antão. Neste sentido tanto o sepulcro, quanto o deserto acabam tornando-se um refúgio seguro para Antão onde ele

pudesse encontrar consigo mesmo. Este encontro consigo mesmo acaba por provocar uma espécie de relacionamento que o deixa aberto a estes conflitos, ficando, desta forma, aberto e frágil também à ação do tentador. Percebe-se que aí há a presença atuante desta força espiritual renovadora que o acalentava nos momentos pós-lutas e de fragilidade interior. O que é bonito de se perceber nesta caminhada espiritual de Antão é o fato de o demônio ter utilizado de todas as suas artimanhas para tentá-lo e fazê-lo desistir de seus objetivos, mas, não conseguiu: "Depois de várias tentativas, rangiam os dentes contra ele, furiosos por serem eles os vencidos, e não ele" (Atanásio, p. 304).

Esta ascese que impulsiona Antão a seguir adiante com seu propósito de vida se traduz em primeiro lugar como uma vida de penitência e de ascese sempre mais rigorosas: de essência bem diferente da ascese dos platônicos ou dos gnósticos7.

O ascetismo cristão tem o seu nascedouro nesta experiência cara aos Padres da Igreja. Naturarlmente tudo dependerá do contexto de civilização: os primeiros monges egípcios, estes rudes colonos comptas, partiam de um nível de vida tão baixo, que o seu ardor em reprimir a concupiscência os levará muias vezes a excessos para nós desconcrtantes na privação do conforto, da comida e do sono.

O asceta, para ele, é o único que pode conseguir anular o "querer viver universal" dentro de si mesmo, não apegar-se a nada e ir mais longe que os outros. O asceta, por isso, pode aconselhar outras pessoas. Só pelo ascetismo, alguém torna-se sereno e livre da ilusão. O primeiro passo que o homem precisa dar para uma superação da própria vontade é ter consigo uma castidade perfeita, uma castidade voluntária que o auxilie na negação da vontade. É exatamente essa abstenção dos prazeres que irá negar a própria vontade. Sabe-se que, na vida do homem a vontade está acima da vida individual e que, com a abstenção dos prazeres, a vontade só irá ter fim juntamente com o fim da vida do corpo, ou seja, com a morte do corpo encerra-se a vontade.

Esta ascese não se limita a um tal aspecto interior, psicológico: o solitário avança para o deserto, afim de enfrentar aí as forças do mal e muito precisamente o Demônio, suas tentações, seus assaltos. Daí o lugar que ocupa na vida de Antão estas diabruras que escandalizaram muitas vezes os leitores modernos. No entanto, temos que descobrir nelas, para além da confabulação, o significado teológico profundo.

É graças à purificação ascética que o homem se torna perfeitamente indiferente a tudo, e se desapega de tudo que o cerca. Neste sentido, pode-se entender que o homem está "morto" inteiramente à vida, ainda que esta possa continuar materialmente.

  1. Esperança em Antão:

A vida de Santo Antão tem muito a ensinar para as pessoas do nosso tempo. Algo que chama a atenção em seu modo de ser e de viver é esta força e esta esperança que ele transmite para quem resolve seguir seus ensinamentos.

Com o objetivo de ir ao encontro desta esperança que brota do mais profundo do ser humano é que fazemos junto com Antão uma viagem ao "deserto interior". É deste deserto que brota a "água límpida, suave e fresca" é onde se estende "um planalto, onde há palmeiras selvagens" (Atanásio, p. 335). Algo bonito de se perceber nesta peregrinação de Antão ao deserto iterior é a confiança depositada no Senhor e a tranquilidade em que encontrava seu espírito. Percebe-se que realmente era algo que contagiava as pessoas que o cercavam e contagia quem lê os escritos deixados a nós por Santo Atanásio:

Como está escrito (Sl 124), tinha verdadeiramente confiança no Senhor como na montanha de Sião, seu espírito estava tranquilo e sem perturbação: os demônios fugiam, e os animais selvagens, como está escrito (Jó 5, 23), faziam as pazes com ele.8

Com esta confiança no Senhor e com esta força espiritual Santo Antão vai vencendo as lutas contra o mal e superando todas as dificuldades que lhe sobrevem. Isto faz dele um grande homem, um grande santo em quem as passoas possam encontrar um ardor espiritual de grande beleza. Por causa deste ardor espiritual Antão era constantemente procurado para dar conselhos espirituais às pessoas que a ele acorriam.

Santo Antão tinha um nome tão "forte" que alguns bispos pediram a ele que refutasse os arianos que acreditavam que Antão pesnsavam como eles. Antão ensina ao povo que o "Filho de Deus não é criatura e que não foi tirado do nada, que ele é o Verbo e a Sabedoria da substância do Pai". Na luta contra as heresias também se percebe que há uma presença marcante de algo que é superior ao santo, que o impulsiona a ir contra toda a falsidade ideológica pregada pelos arianos. É desta força que brota a esperança, mas, trata-se de uma esperança que, em Antão, não se esgota em sim mesma, que vai além do humano e que retorna como força para continuar lutando.

Tudo isto não seria possível se não tivesse uma forma de abastecer-se, embriagar-se desta força espiritual que vem de Deus. Mas, para alcançar a plenitude desta força espiritual é necessário o "deserto", a solidão. Deserto e solidão assume uma dimensão figurada para dizer que é necessário esvaziar-se de si mesmo para preencher-se desta força espiritual que vem de Deus. Antão nos ensina que é preciso estarmos sempre firmes neste deserto interior para encontrarmos conosco mesmo, com nossas limitações, com nossos demônios, para poder ter este encontro bonito com Deus, com esta força superior que vem de Deus. Somente agindo desta forma teremos sempre presente em nossas vidas esta força e esta esperança e seremos capazes de continuarmos lutando.

Antão desde a juventude até idade tão avançada, conservou igual ardor na ascese. É perceptível neste homem a ação de Deus, pois, ele ficou conhecido em várias regiões mesmo estando assentado e escondido no sepulcro ou nas montanhas. Para alguns ler e conhecer o que este homem fez pode ser sinônimo de loucura, mas, acima de tudo e de qualquer loucura está a força e a esperança. É uma força que vem de Deus e que tem a esperança como fruto da vevência e da perseverança no amor.

  1. Conclusão:

A vida de Santo Antão é algo que nos conduz a olharmos para dentro de nós mesmos e fazermos uma reflexão interior. Nesta reflexão interior ir percebendo de que forma estamos respondendo à nossa vocação de batizados que somos, como estamos desenvolvendo a missão que recebemos pelo nosso batismo.

Antão nos ensina a viver e ater uma vida de total despojamento e entrega ao serviço do Reino. Para isto o Santo nos ensina que é fundamental escutar e acolher a palavra de Deus que é fonte de inspiração para se ter uma vida mais santa. Percebe-se que para acolher e viver a mensagem que a Palavra de Deus nos traz é preciso estar aberto a esta mensagem e ter coragem, pois, no mundo em que vivemos não é fácil ser cristão. Este despojamento, esta entrega total ao Reino de Deus, a escuta e acolhida da Palavra, são frutos de um processo que cada um é chamado a viver a partir do batismo. Nem todos são capazes de assumir isto para si. É exatamente isto que Santo Antão quer nos mostrar e ensinar.

É interessante perceber que, na vivência deste processo, Santo Antão nos ensina que a dificuldade está em aceitar o deserto e o sepulcro como sendo algo que está no interior do ser humano. É no contato com o sepulcro interior que o ser humano vai entrar em contato consigo mesmo, com suas dificuldades, suas "podridões" e seus "demônios". É no deserto interior que o ser humano vai entrar em contato com sua mais profunda solidão, com os "animais" que habitam esta solidão, vai ter contato com seus medos, seus desejos, seus anseios, seus sonhos, suas utopias. Estas lutas constantes consigo mesmo o faz crescer e querer avançar cada vez mais para dentro deste sepulcro e deste deserto interior.

Em Antão percebe-se que há a presença de uma força que não o deixa desanimar, que faz com ele continue lutando e vencendo todas as lutas. É esta força que alimenta em Antão uma esperança em ter uma vida de dedicação e de escuta da Palavra de Deus e, a partir da experiência e da vivência do que Deus diz, assumir a missão que recebeu. Que esta força e esta esperança que vem de Santo Antão não nos deixe desanimar diante das dificuldades que encontrarmos que entrarmos em contato com o sepulcro, com o deserto e a montanha que está no nosso interior.

  1. Bibliografia:

ATANÁSIO. Vida e conduta de Santo Antão. São Paulo: Paulus, 2002 (pp. 285-367)

DANIÉLOU, Jean e MARROU, Henri. Nova História da Igreja: dos primórdios a São Gregório Magno. Petróplis: Vozes, 1973 (279-283)

DROBNER, Hubertus R.. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003 (pp. 255-263)

http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/monaquismo/vida_de_santo_antao_indice.htm

1 Religioso ou penitente que vive na solidão, em vida contemplativa.

2 Pessoas que vivem no deserto por penitência

3 Monges que levam a vida em comum com outros.

4 Título honorífico de digntário eclesiástico

5 ATANASIO, Santo. Vida e conduta de Santo Antão. (p. 296)

6 Idem nota 2 p. 302

7 Gnosticismo: designa o movimento histórico e religioso cristão que floresceu durante os séculos II e III, cujas bases filosóficas eram as da antiga Gnose, com influências do neoplatonismo e dos pitagóricos. Este movimento revindicava a posse de conhecimentos secretos (a "gnose apócrifa", em grego) que, segundo eles, os tornava diferentes dos cristãos alheios a este conhecimento. Originou-se provavelmente na Ásia menor, e tem como base as filosofias pagãs, que floresciam na Babilônia, Egito, Síria e Grécia.

8 Idem nota 2 p. 336

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