1. Introdução
Um
dos direitos primordiais, e talvez o principal, é o direito a vida. Desenvolver
a temática de uma moral social relacionada aos Direitos Humanos é ter como pano
de fundo o direito de cada ser humano a viver a sua liberdade sem infligir, ou
burlar, a liberdade do outro. É preciso ter sempre em mente que a vida é
marcada pela presença, e ao mesmo tempo, pela ausência do outro que me
interpela.
Neste sentido a ética social “é
configurada como um saber crítico e específico sobre o compromisso moral dos
crentes”
. A
partir desta afirmação de Vidal cabe a cada um se perguntar sobre o seu
compromisso moral, ou melhor, sobre seu compromisso moral social. Esta reflexão
deve ser marcada pela temática que perpassa a prática messiânica de Jesus
segundo o evangelista João que é a vida (cf. Jo 10, 10).
Neste trabalho será abordada a
questão do direito a vida como direito primordial do ser humano, levando em
consideração tudo o que foi estudado em sala de aula e a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. O primeiro ponto
aborda o direito que Cristo confere ao homem, o segundo ponto aborda – diretamente
– a vida como um direito a ser respeitado.
2. Direito que Cristo confere ao homem
Dentro do que se pode dizer de “direito que Cristo confere ao homem”, ou
melhor, ao ser humano se faz presente, e de forma latente, o direito a vida. O
que se percebe na pessoa de Cristo é que tudo o que ele falou e fez não
transmite outra mensagem a não ser o direito a vida que o ser humano tem.
É interessante perceber que a
questão da vida é tratada, em Jesus, como um dom supremo que Deus confere aos
filhos teus, aos seus queridos. É claro que esta vida deve ser vivida como uma
resposta gratuita a este amor que Deus tem pela humanidade. Neste sentido,
alguns questionamentos podem ser feitos a partir desta reflexão: qual é a
situação do homem no mundo? Quais são os seus direitos? A tais questões a
revelação bíblica oferece uma resposta, não teórica e abstrata, mas, vivente e
edificante, uma resposta que consiste em intervir na situação do homem e em dar
ao homem novos direitos.
Aqui há a percepção de que já no
A.T. se vive e se anuncia esta resposta. É uma resposta que encontra na pessoa
de Jesus seu sentido pleno e vivificante, pois, o próprio Cristo, com o
dinamismo de sua existência, revela a vocação do homem e lhe dá a plenitude do
seu cumprimento.
O texto joanino trata do direito que
Cristo confere ao homem por meio do Espírito Santo: “Eu vim para que tenham
vida e a tenham em abundancia”
.
Neste texto joanino está presente o direito que Cristo confere ao homem por
meio de seu Espírito, que é o direito a vida. A vida que Jesus traz é vida
plena e perpétua, uma participação, por meio dele, na vida divina. Para isso
veio, pois, o homem somente com suas forças não pode alcançá-la. Direito este
que Cristo desejou que o ser humano vivesse em sua plenitude. Todos os seus
atos e tudo o que ele falou girou em torno deste direito, entendido aqui como o
dom supremo.
Este direito Cristo o compreende em
uma perspectiva mais ampla e mais profunda do que a que se encontra na
problemática da perspectiva moderna. E uma perspectiva que não se limita
exclusivamente a considerar os problemas atuais existentes na pessoa humana.
Mas, é uma perspectiva que se eleva aos projetos e se interessa em se aproximar
de todos os seres.
Como
já havíamos dito anteriormente o direito que Cristo traz de volta ao homem é o
direito a vida, mas, vida entendida aqui como fruto de uma prática cristã.
Desta forma, Jesus é o ponto de referência para esta reflexão e o outro ponto é
o rosto do outro que me interpela. Com
isto, Cristo confere ao ser humano, por meio do Espírito Santo, uma vida plena.
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos traz uma seqüência de 30 artigos que procuram explicitar os direitos do
homem e da mulher. A temática que perpassa toda a declaração visa assegurar aos
homens e às mulheres direitos básicos fundamentais que lhe garantam o bem maior
que eles possuem: a vida
.
É inquestionável a valorização do
discurso dos direitos humanos, tanto no âmbito político, quanto no econômico e
no religioso. O negativo desta afirmação é que, na prática, não há esta
valorização. Esta inquestionável
valorização não vai de par com a prática. Os direitos humanos, com todos os
limites, seriam uma das únicas veias que se tem para tentar resolver os
problemas de caráter global. As culturas sempre estiveram em contato, mas,
nunca se enriqueceram.
3. Vida: direito do ser humano
A discursão da moral social auxilia
na compreensão de uma ética que esteja em defesa da vida. Não se trata de fazer
uma defesa de maneira desorganizada, impensada, mas, de fornecer subsídios ou
meios que de fato sirvam para elaborar uma defesa de modo convincente.
Ao instituir a Nova Aliança mediante
o dom total de si mesmo o Cristo muda radicalmente a situação do ser humano e
confere à humanidade novos direitos. De uma situação de opressão e
marginalização, fez surgir uma situação de esperança e de liberdade. Quem adere
a Cristo não está mais sujeito a uma condição de escravidão e de temor a morte
(Hb 2, 15), pois, Cristo os assegura a vitória sobre a morte mediante a morte
mesma (Hb 2, 14). Neste sentido uma questão latente a nossa realidade é: será
que o direito a vida é respeitado?
Em um
primeiro momento e olhando a nossa realidade a resposta a esta pergunta é de
que este direito primordial do ser humano não está sendo respeitado. Isto
reflete em uma práxis que não está
condizente com aquilo que o discurso dos Direitos Humanos prega. Desta forma é
necessário refletir criticamente sobre o conteúdo moral presente no discurso e
sobre a moral presente, ou melhor, ausente na prática dos Direitos Humanos. O
que se pode concluir desta afirmação é que a luta pelos Direitos Humanos não é
simplesmente uma luta por predicados, mas, é um luta por Direitos Humanos mais
dinâmicos.
Ainda
dentro da perspectiva bíblica Marciano Vidal, em seu texto sobre fundamentação
da ética teológica, diz o seguinte:
...ao considerar o homem a partir da
perspectiva da criação, é possível pensar em Deus como alguém que dá sentido e
fundamenta a autonomia do homem, a ética cristã teônoma é a expressão da
relação normativa de Deus com o homem, relação que não contradiz nem suprime a
normatividade autônoma do homem e sim que a possibilita e lhe dá uma
fundamentação válida
.
É difícil pensar que não haja uma
relação intrínseca entre Direitos Humanos e ética social. Mas, é preciso que
ambos estejam a serviço e promoção da vida humana. Aqui se compreende vida
humana vivida na carne, mas, marcada pela atuação do Deus criador. Esta
interpretação que vem dos evangelhos não vem como resposta, mas, sim com
pergunta: em que Deus
ceio? Que homem sou? Que moral temos?
É impensável não se perguntar em que Deus cremos. Será um
Deus moral, um Deus que não se dá valor a si mesmo, um Deus mestre soberano, um
Deus que é um coquetel entre o bom e o verdadeiro, um Deus que é útil porque
prescreve o que devemos fazer. Que homem? Não se trata de perguntar sobre uma
essência ideal de homem, mas, de afirmar um homem feito à imagem e semelhança
de Deus, ou seja, criador. Um homem único individual, pessoal, no exercício de
sua tarefa físico-cultural temerário. Não um homem genérico, mas, também, não
um homem solitário. Trata-se, portanto, de um homem solidário, aceitando a
nossa heteronomia com base no passado e no presente. Que moral? A afirmação de
a cada um querer ser moral, a afirmação da vontade. Mas, não indica valores aos
quais devemos aderir. Desta forma, trata-se de uma moral que venha a derrubar
estes imperativos existentes que são imperativos mentirosos. Talvez a moral que
se procure seja moral como anti, procurando dar beleza e repugnando o horror.
No que diz respeito à defesa da vida
Dom Cláudio Hummes, em sua homilia feita por ocasião da V Conferência Episcopal
da América Latina e do Caribe, diz o seguinte:
Nós não podemos deixar de trabalhar para vencer a
miséria e a fome, a pobreza do nosso povo, o sofrimento do nosso povo. A igreja
tem que continuar a se empenhar nisso fortemente, em nome do evangelho de Jesus
Cristo. A missão de incluir tudo isso, não separar a evangelização da promoção
humana, da defesa da dignidade e dos direitos humanos. E o direito fundamental
é o direito a vida, e o direito de viver dignamente como pessoas humanas
.
Dom
Cláudio Hummes apresenta, de forma resumida, aquilo que a Declaração Universal
dos Direitos Humanos traz em seu pano de fundo que é a promoção da vida, da
dignidade de seres humanos que muitas vezes é tirada de cada cidadão. Este
desejo, esta utopia, tem que ser marcada pela prática do amor fraterno. Este
amor tem que ser o critério fundamental de todo ser humano, como diz Francisco
M. Rejón: “O amor como critério definitivo de moralidade e de pertença ao Reino
de Deus. Não há nada mais exigente que o amor, e ao mesmo tempo nada mais
eficaz e libertador que o amor que dá a vida”
.
4. Conclusão
É
preciso haver discernimento, mas, um discernimento lento e laborioso e tem que
ser assim. Isto exige compaixão. Os Direitos Humanos são o lugar desta
compaixão, é onde saímos do discurso bonito para exigir do campo político.
Sendo assim, se entra no campo da intersubjetividade desejada, querida. O
evangelho nos chama a estarmos dentro dos limites do ideal e a esgotarmos os
limites do real, pois, não existe outro caminho fora dos limites do real.
A
Bíblia nos convoca novamente a afirmar o Senhorio do Deus que criou a Vida, em Jesus Cristo. Defender
e promover os Direitos Humanos é, acima de tudo, assumir atitudes cidadãs e
lembrar ao mundo que o Direito à Vida Plena é direito de todas as pessoas
humanas, não de algumas poucas privilegiadas que podem consumir. A mensagem
central da misericórdia de Deus nos leva a vislumbrar um novo mundo em que
todas as pessoas terão sua dignidade e seus direitos respeitados e valorizados
5. Bibliografia
GINO, Concetti. I Diritti Umani.
Dottrina e prassi. Roma: Ave, 1982 (pp.23-39)
VIDAL, Marciano.
Ética teológica: conceitos fundamentais. Fundamentação da ética teológica.
Petrópolis: Vozes, 1999 (pp. 211-228)
________________
Moral de atitudes: moral social. Direitos humanos e ética cristã. Aparecida:
Santuário, 1980 (pp.153-191)